segunda-feira, 25 de setembro de 2006

A cruz e o garrafão

A igreja católica e os Nanikos FC são, por motivos diferentes, duas instituições que se encontram actualmente num estado de profunda decadência. Contudo, acredito que através de uma colaboração estreita entre ambas, nos aspectos que têm em comum, o ciclo negativo pode ser rapidamente invertido.

Incapaz de suster o ímpeto de secularização que começou a alastrar nas sociedades ocidentais a partir do século XVI, a igreja viu o seu poder ser paulatinamente subtraído à medida que a Modernidade emancipava o pensamento do homem europeu em relação à metafísica cristã. Além disso, a contestação aos dogmas religiosos dominantes na época estilhaçaram a supremacia católica quanto à interpretação dos textos bíblicos, originando uma multiplicidade de credos dos quais se destacou, pela sua importância histórica e política, o protestantismo. Assim, por estas e por muitas outras razões, chegados ao tempo presente, vemos uma igreja católica incapaz de cativar os espíritos dos mais jovens para a importância do credo cristão. Neste contexto, não será excessivo dizer que as cartas e as previsões superficiais da taróloga Maya têm mais força e adesão do que a carunchosa e arcaica (passe a expressão) cruz de Cristo.

Também os Nanikos FC se encontram, infelizmente, num estado análogo. Incapaz de continuar com uma equipa competitiva que aliasse, como nos tempos áureos, o desporto ao álcool (e vice-versa), a importância e o peso desta colectividade na sociedade alcóolico-recreativa decaiu imenso nos últimos três anos.

A juntar a este estado de coisas já de si catastrófico, há ainda um terrível flagelo que dá pelo nome de “geração-moranguinhos”. Profundamente influenciados pela deprimente série “Morangos com Açúcar”, os jovens compreendidos na faixa etária que vai desde os 10 até aos 18/19 anos perdeu a ancestral cultura do garrafão. Contudo, esta tradição que todos nós orgulhosamente ainda preservamos não foi substituída por outra melhor (se é que isso fosse possível), mas sim pelo status fútil e perfeitamente inócuo de um polo da Ralph Lauren; pelas idas, fim-de-semana sim fim-de-semana não, ao cabeleireiro; pelos telemóveis da última geração; pelas frustradas tentativas dos DZR’T em fazer algo que se assemelhe com música. E tudo isto com que finalidade? A resposta não podia ser mais constrangedora: para que os meninos estejam em sintonia com o penteado e com o toque polifónico dos seus ídolos amorangados.

O cenário não podia ser mais negro. A decadência destas duas instituições, igreja católica e Nanikos FC, representa o fim da matriz ideológica, personificada na cruz e no garrafão, que durante séculos norteou o espírito dos nossos antepassados para obras valorosas que perdurassem para além da efémera condição humana. Sem inspiração divina não existiria a capela Sistina; sem o álcool não teria havido Fernando Pessoa.

Contudo, um raio de esperança iluminou-me quando estava a ler o livro “Ressurreição” de L. Tolstoi. O excerto da obra que me encheu de esperanças é o seguinte:

“Após ter-lhes perguntado como se chamavam, o sacerdote tirou cuidadosamente, com uma pequena colher, os bocados de pão ensopados de vinho e introduziu-os profundamente na boca de cada uma das crianças, enquanto o sacristão, enxugando-lhes os lábios, entoava alegremente um cântico que dizia que as crianças tinham comido o corpo de Deus e bebido o seu sangue”.

Esta descrição do escritor russo mostra de uma forma brilhante e quase comovente como as crianças desde tenra idade eram habituadas ao doce sabor do néctar dos deuses. Através desta liturgia, garantia-se, por um lado, que a pequenada iria seguir de bom grado os desígnios de Deus e por outro que a cultura do garrafão perduraria ao longo de gerações, evitando-se que caíssem nas garras tentadoras dos DZR´T da altura.

Contudo, este ritual foi inexplicavelmente abandonado. Apenas subsistiu em remotas zonas do nosso país através das famosas e aconchegantes sopas de cavalo cansado. Apesar do padre continuar a dizer na altura da consubstanciação do vinho em sangue “tomai todos e bebei” só ele é que emborca, feito lambão, o vinho todo, não observando o valor da partilha, como Jesus Cristo tão profusamente difundiu entre os seus discípulos.

Por isso, em nome dos Nanikos FC, faço um apelo ao Patriarca de Lisboa, Dom José da Cruz Policarpo, que envide todos os esforços no sentido de que esta edificante liturgia volte a entrar na eucaristia dominical. Seria quase como o paraíso na terra, passe a expressão, ver o padre do Fundão, por exemplo, a ensopar a hóstia sagrada em bom vinho tinto Alcambar colheita de 2003 ou mesmo num Cova da Beira de 2004 e a pô-la na boca de um petiz de 8 anos. Quando tal suceder, pode contar comigo na primeira fila da igreja em todos Domingos, caro Dom Policarpo.

Hoje em dia, mais do que nunca, precisamos de uma sólida aliança entre a cruz e o garrafão para fazer face às muitas tentações que afastam os jovens do caminho certo. Acredito que essa é igualmente a sua opinião.

2 comentários:

Joao Martinho disse...

e se por um lado quero lutar, as forças faltam de tanto remar contra a maré...

rui jacaré disse...

Eu defendo a tomada hostil da TVI para impedir a emissão de mais episódios dos Morangos c Açúcar. Tal novela decadente seria substituída por um talkshow, no qual os convidados seriam entrevistados por garrafões e afins, chegando ao ponto de ser os entrevistados a colocar as perguntas a si próprios.

Tenho dito.