Esplanada da minha faculdade. Estamos em final de estação de mais um ano lectivo, por isso são já poucos os estudantes que frequentam estas paragens. A maioria que por aqui passa dirige-se a uma sala de aula, escreve umas asnices no exame, almoça na cantina e segue até à praia mais próxima sem passar pela casa de partida.
Não esperava por isso que uma miúda de cor, mais ou menos da minha idade, que satisfaria, creio, os apetites subsarianos do Bojo, me viesse aborrecer com a criação do Partido Trabalhista Português, claro pastiche, como já perceberam, do partido inglês. Simpático como é meu timbre, fiz-lhe a vontade, assinei a folha e dei-lhe todos os outros dados que me pediu para que pudesse legalizar o supra-referido partido.
Quando já me debruçava novamente sobre a chávena de café, uma folha embalada pelo vento veio parar à minha mesa. Tratava-se, qual varejeira, do Manifesto do Partido Trabalhista. A tarde estava definitivamente estragada com tanta politiquice saloia. Decidi mandar o café às malvas e ler o que me viera parar às mãos. Além da lengalenga do costume (“a sociedade exige uma justiça independente”, “os professores devem ser respeitados”, etc, etc…), no final estava a morada da sede, que fica para os lados dos Restauradores, e por baixo, em letra manuscrita, vinha o seguinte: “Dirigi-te à Rua dos Restauradores, Lote 11 Café E. Santo, FUNDÃO.
Sobressaltado, levantei-me de imediato da cadeira e dirigi-me ao líder do novo Partido que só podia ser o senhor baixinho, meio calvo, de fato e gravata que andava a importunar o merecido remanso dos estudantes com a sua conversa de lana-caprina:
- Desculpe interromper. Mas que morada é esta aqui no final?
- É a nossa delegação no Fundão. Porquê? Não me diga que é de lá…
- Sou…
- Ah sim?! Então não conhece o Pombo, o carteiro?
- Não, não estou a ver…
- Ele é que é o responsável pela delegação no Fundão. Mas é mesmo de lá?
- Sim, sou
- Eu sou dos Três Povos e era deputado na Assembleia Municipal do Fundão pelo PSD. Mas entretanto demiti-me. É assim mesmo!, rematou, dando uma palmada no meu braço enquanto avançava na direcção dos outros estudantes.
Atónito, apenas me restou ir até ao meio da esplanada e gritar a plenos pulmões:
- Camaradas, se Sócrates ainda estivesse entre nós, diria que não era grego nem ateniense, mas sim um cidadão do Fundão!
Retroauricular#20161230
Há 7 anos
