quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Os novos Velhos


Mas um velho, de aspecto venerando,
que ficava nas praias, entre a gente,
postos em nós os olhos, meneando
três vezes a cabeça, descontente,
a voz pesada um pouco alevantando,
que nós no mar ouvimos claramente,
Cum saber só de experiências feito,
tais palavras tirou do experto peito:

"Ó glória de mandar, ó vã cobiça
desta vaidade a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
c'ua aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
que crueldades nele experimentas!"

"Dura inquietação da alma e da vida
fonte de desamparos e adultérios,
sagaz consumidora conhecida
de fazendas, de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
sendo digna de infames vitupérios;
chamam-te Fama e Glória Soberana,
nomes com quem se o povo néscio engana!"

"A que novos desastres determinas
de levar estes Reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
d' ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?"

"Não tens junto contigo o Ismaelita,
com quem sempre terás guerras sobejas?
Não segue ele do Arábio a lei maldita,
se tu pela de Cristo só pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
se terras e riqueza mais desejas?
Não é ele por armas esforçado,
se queres por vitórias ser louvado?"

"Deixas criar às portas o inimigo,
por ires buscar outro de tão longe,
por quem se despovoe o Reino antigo,
se enfraqueça e se vá deitando a longe;
buscas o incerto e incógnito perigo
por que a Fama te exalte e te lisonje
chamando-te senhor, com larga cópia,
da Índia, Pérsia, Arábia e da Etiópia."

"Oh, maldito o primeiro que, no mundo,
nas ondas vela pôs em seco lenho!
Digno da eterna pena do Profundo,
se é justa a justa Lei que sigo e tenho!
Nunca juízo algum, alto e profundo,
nem cítara sonora ou vivo engenho
te dê por isso fama nem memória,
mas contigo se acabe o nome e glória!"

"Trouxe o filho de Jápeto do Céu
o fogo que ajuntou ao peito humano,
fogo que o mundo em armas acendeu,
em mortes, em desonras (grande engano!).
Quanto melhor nos fora, Prometeu,
e quanto para o mundo menos dano,
que a tua estátua ilustre não tivera
fogo de altos desejos, que a movera!"

"Não cometera o moço miserando
o carro alto do pai, nem o ar vazio
o grande arquitector co filho, dando
um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
Nenhum cometimento alto e nefando
por fogo, ferro, água, calma e frio,
deixa intentado a humana geração.
Mísera sorte! Estranha condição!"

Luís de Camões, Os Lusíadas Canto IV

sábado, 13 de novembro de 2010

A tomada do poder


O rosto da vitória. O sorriso da ambição. O olhar inebriado da utopia. Em Setembro de 2010, o Marechal MC Martinho subiu finalmente a escadaria do poder. Ao entrar na Assembleia Municipal do Fundão, contemplou os frescos no tecto, apreciou os seios republicanos das estátuas que o ladeavam, encheu os pulmões de ar e, em tom solene, citou Nicolae Ceausescu, a sua referência ideológica, às tropas que lhe deram o triunfo: "Apenas reconheço a Assembleia Nacional da Cova da Beira. Apenas falarei perante ela." Depois, levantou o garrafão guardado há vários anos para aquele dia e bebeu três tragos bem audíveis. Seguiu-se uma chuva de aplausos entusiastas dos seus seguidores. Cem anos de História sucumbiam assim a seus pés e uma nova era começava.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Catarina 'Ginjas' (1987-2009)

A garrafa estava ali, à mão de semear. A cor quente, rubi, fascinava-a. Agarrou-a pelo gargalo e ficou a olhar para as bolinhas suspensas pela agitação. Muito devagarinho, abriu-a. Deu um golo a medo. O sabor doce surpreendeu-a. Lambeu os lábios gulosos e de um fôlego só despejou a ginjinha caseira do tio para espanto da família que celebrava mais uma consoada. Como sempre acontece no Fundão, este pequeno apontamento da vida doméstica ganhou asas e viajou por ouvidos e bocas indiscretas. Quando regressou à jovem de 12 anos, trazia a alcunha de Ginjas para viver paredes meias com a Catarina até ao fim da vida. Amen.

Nascida e criada num lar burguês, onde nem sequer faltava o piano de cauda, esse acontecimento foi como o grito de Ipiranga da jovem, cansada que estava dos ditames ditatoriais dos pais que cerceavam as suas liberdades com regras para tudo e nada. Desde tenra idade, foi educada para seguir os passos da mãe, camareira na corte de Alpedrinha. Catarina, no entanto, embriagou o destino à força de ginjas e de todas as bebidas de teor alcóolico que encontrava, primeiro, no bar da sala de estar, e, a partir dos 13 anos, nas tascas pouco recomendáveis da cidade. O seu comportamento boémio fez fama entre bêbados e pedintes, que lhe tentavam sacar alguns cobres nas efusivas noites etílicas, e também entre poetas e apaixonados, que lhe dedicavam pirosos sonetos de amor.

Escandalizados com a estroinice da filha, os progenitores tentaram levá-la à força para o Convento do Fundão, então sob a tutela da Ordem das Sagradas Virgens de Cristo. Mas era tarde de mais. Com a rebeldia da idade a ferver-lhe no sangue, fugiu de casa para não mais voltar. Dos 14 aos 17 anos viveu num quarto mal amanhado na Rua Marquês de Pombal, juntamente com ocupas anárquicos e o respectivo cão. Para se sustentar, saltitou do Galinha Gorda para o Minipreço, passando pelo café Sky, antro de velhos ferroviários e de bêbados imberbes. Ao entardecer, iniciava a demanda pelos trilhos vindimados de Baco, numa viagem que se estendia noite fora entre quelhas e ruelas degradadas. Numa madrugada de neve, com os passos entorpecidos pelo álcool, caiu desamparada na calçada da Rua da Cale. Ironia do destino, foi essa queda que lhe permitiu sair do poço onde se afundava dia após dia. Quiseram as estrelas que o brilhante estudante de informática, Marrusso, passasse por ali a caminho de casa. Ao vê-la estendida, levou-lhe de imediato aos lábios o cantil de bagaço velho que trazia sempre consigo para o aquecer durante o rigoroso Inverno fundanense. De imediato, os olhos de Catarina luziram como dois braseiros.

Do calor do bagaço ao calor da paixão foi um pequeno golo de ginja. Pode-se afirmar sem exagero que Marrusso lhe deu uma segunda vida. Catarina regenerou-se, reconciliou-se com o mundo e regressou à escola. A ideia era concluir os estudos secundários que abandonara e depois seguir para a Universidade. No entanto, a traição de Marrusso com Joana, uma abastada industrial de férteis ambientais, trocou-lhe os planos. Cega de raiva e ciúmes, assaltou um carro e, embrulhada na escuridão da noite, passou a ferro a sua rival, que ficou espalmada como um pacote de leite ao longo da Avenida da Liberdade.

Furioso com a morte da principal financiadora da sua causa, o General revolucionário Bojo Gonzalez exigiu a captura imediata do responsável pela morte de Joana. Certa de que era apenas uma questão de tempo até ser executada, Catarina fugiu para Évora. Foi aí que voltou à escola para concluir os estudos secundários e fazer o curso de arquitectura. Dessa sua estadia de quatro anos no Alentejo pouco se sabe. Os biógrafos inclinam-se para a hipótese de que terá levado uma vida regrada e com poucos relacionamentos fora do ambiente académico.

Terminados os estudos e com o apaziguamento da situação política, Catarina decidiu pôr termo ao seu exílio. Assim que soube do seu regresso, o Marechal MC Martinho fez questão de a receber pessoalmente no seu palácio, em Castelo Novo. Não é difícil perceber a atenção que dispensou à jovem. Na verdade, dera-lhe uma ajuda involuntária ao atropelar a fonte de rendimento de Bojo Gonzalez, com quem sustentava uma guerra sanguinária em virtude das diferenças ideológicas irreconciliáveis que perfilhavam e que queriam implantar na cidade. A empatia que se criou entre ambos, motivou sucessivos encontros em que debatiam sobretudo a reconstrução do Fundão, então uma amálgama de escombros e cinzas.

Em pouco tempo, Catarina tornou-se uma acérrima defensora das políticas ultraliberais e também uma grande admiradora da cultura norte-americana. A sua beleza e ingenuidade agradaram ao astuto MC Martinho, que a elevou a arquitecta oficial do regime. Quando as forças do General Bojo Gonzalez fossem derrotadas, Catarina Ginjas teria a responsabilidade de projectar o novo Fundão à imagem e semelhança dos apetites imperialistas e grandiosos do Marechal. Entusiasmada com o rumo que a sua vida levava, a jovem, então com 21 anos, empenhou-se durante 9 meses na criação de uma maqueta de 10 metros de comprimento por 2 de altura cheia de fontes e fontanários e edifícios ciclópicos. O que mais impressionava na sua obra era a Acrópole, monumento indescritível de mármore branco, que seria construído como homenagem delirante do regime ao grande helenista Vítor Punk. Com as suas colunas dóricas, jónicas e coríntias de 50 metros de altura, dominaria os ares da Cova da Beira; com a sua imponência balofa esmagaria tudo em redor.

A tormenta, no entanto, voltou a abater-se sobre Catarina quando soube da morte (mal explicada) de Emanuel Marrusso, na tarde de 4 de Setembro de 2009. Apesar de não o ver há vários anos, a notícia deixou-a destroçada, lançando-a de novo no caos alcóolico. Pelos documentos entretanto descobertos, sabe-se que o Marechal lhe escreveu várias vezes a pedir-lhe prudência e discrição na sua conduta, preocupado que estava em lançar um ataque furtivo contra as forças do General Bojo Gonzalez. De pouco valeu. Na madrugada de 12 de Setembro, a arquitecta terá entrado em casa completamente ébria e tropeçado na sua maquete. Colunatas, pórticos, cornijas, frisos e brasões desmoronaram-se sobre si, acabando esmagada por um sonho de gesso e contraplacado. Tinha 22 anos e ainda não deixara descendência.

Ainda hoje continua a causar estranheza a forma fria como MC Martinho reagiu à morte de Catarina. A sua atitude tem levado vários biógrafos a sustentar a hipótese de que o Marechal terá dado ordens para a executarem com o intuito de não comprometer o seu ataque militar, do qual ela era conhecedora. No entanto, a verdadeira razão continua por desvendar.

Foi a 13 de Setembro de 2009, debaixo de um ambiente crispado pelo luto e pelo ar belicoso que se respirava na cidade, que Catarina 'Ginjas' foi conduzida à sua última morada. Apesar de tudo e num derradeiro gesto de humanismo, MC Martinho ordenou que o seu corpo fosse enterrado no exacto local onde projectara a construção da Acrópole. Durante três dias, o Fundão chorou em conjunto a partida da mais promissora e brilhante arquitecta que alguma vez vira. Passado o nojo oficial, as bombas começaram a cair.

Se fosse viva, Catarina 'Ginjas' faria hoje 23 anos. O jornal O Naniko não se esquece da tua memória e dedica-te este texto na certeza de que o estás a ler na cidade ideal que um dia criaste. Muitos parabéns, Catarina 'Ginjas'.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Emanuel Marrusso (1986-2009)

Foi na Pedra d'Hera, miradouro natural alcandorado na Serra da Gardunha, que Emanuel Marrusso veio ao mundo. Logo nos primeiros instantes de vida, os olhos do recém-nascido vararam de lés a lés a Cova da Beira, com o Fundão a espraiar-se lá em baixo, na planície, e a trepadora Covilhã a resvalar ao longe na encosta íngreme da Estrela. Talvez tenha sido por esse acaso que o petiz adquiriu uma visão ampla e abrangente da realidade, o que lhe permitiu desde muito novo sobressair da mediocridade reinante na cidade beirã.

Ainda de cueiros, Marrusso demonstrou grande apetência e talento natural para a informática. Aos seis anos, os pais deram-lhe o primeiro PC, o qual desmontou vezes sem conta. A facilidade com que manipulava os componentes electrónicos, não passou despercebida aos progenitores que, durante as pausas do ano lectivo, o punham a trabalhar na Regisfundão. Na escola foi o melhor aluno do ensino básico, com notas muito superiores às dos seus colegas. Como prémio, o corpo docente ofereceu-lhe o "Prince of Persia", na altura considerado o jogo mais complexo alguma vez criado pelos cérebros de Silicon Valey. No entanto, o adolescente, então com 15 anos, deixou boquiabertos os seus mestres ao dar-lhe a volta em apenas duas horas. O feito navegou pelas sete partidas do mundo até chegar aos ouvidos do reitor da Universidade da Beira Interior, que lhe garantiu uma bolsa mensal de 1000€, valor impensável para a época.

Garboso, de cabelo louro e olhos azuis, Marrusso sempre causou profunda comoção na população feminina local. De trato fácil e dono de uma inteligência superior, distinguia-se com naturalidade da rudeza carroceira dos demais. Aos 17 anos teve uma paixão violenta pela futura arquitecta Catarina 'Ginjas'. No entanto, a relação acabou abruptamente quando o seu coração frágil foi trespassado pelos ferozes impulsos amorosos de Joana, uma abastada industrial de fertilizantes ambientais, numa traição que deu brado na região e que foi magistralmente relatada pelo impoluto cronista da época, Mário Bukowski Lopes Zurara. Este episódio amoroso acabaria por ter repercussões na sua vida profissional e académica, levando-o a suspender o projecto de desenvolvimento de uma inovadora linguagem de programação na Universidade. Descoroçoado, refugiou-se alguns meses na aristocrática Sintra da Beira, Alpedrinha, porto de abrigo de Casanovas e Romeus. Foi aí que sucumbiu à enigmática beleza da baronesa Inês Fernandes, com quem viria a casar-se aos 22 anos de idade na Igreja Matriz do Fundão.

Foi ela quem lhe deu o impulso necessário para voltar à investigação académica e ao seu projecto, o qual já era cobiçado pelas mais importantes empresas de informática do mundo. Quando estava quase concluído, suspendeu-o por razões ainda não totalmente esclarecidas pelos seus biógrafos. A versão que corre pelas bocas do comum cidadão, conta que Emanuel Marrusso fez um interregno para passar a lua-de-mel com a sua mulher em Lavacolhos. Decisão estranha e também trágica, porque foi aí, na praia fluvial da aldeia, que encontrou a morte. No dia 4 de Setembro de 2009, ao dar um mergulho no rio, calculou mal a sua profundidade (apesar de nadar nele frequentemente), partindo o pescoço contra uma rocha escondida no fundo do leito, segundo a informação oficial da GNR do Fundão. Tinha então 23 anos e ainda não deixara descendência. Num encadeamento bastante estranho de acontecimentos, dias depois o seu projecto desapareceu da Universidade da Beira Interior e a Inês Fernandes nunca mais foi vista na região, suspeitando-se que vive actualmente na sinagoga de Belmonte.

No dia do seu funeral, o Fundão uniu-se para lhe prestar um derradeiro e comovido tributo. Em sinal de respeito e afecto por uma das mais ilustres personalidades da região, foi-lhe atribuído o título póstumo de "Príncipe das Beiras" e mais ninguém voltou a jogar até aos dias de hoje o "Prince of Persia".

Hoje, Emanuel Marrusso faria 24 anos. O jornal O Naniko não se esquece da tua memória e dedica-te este texto na certeza de que estás a ler estas palavras algures na outra margem da vida. Muitos parabéns, Marrusso.

domingo, 11 de julho de 2010

Os tentáculos do amanhã

Os meus parabéns ao Paul pelo Mundial-2010 irrrepreensível que realizou. Sai da competição com a cotação em alta e com os grandes oceanários atrás de si. Será muito difícil o aquário Sea Life em Oberhausen, Alemanha, segurar os seus tentáculos oraculares face às propostas milionárias que provavelmente irão chover. Excelente visão, capacidade de ver o que se vai passar muito antes de todos os outros, fortíssimo poder de antecipação... Assim é Paul, o polvo para quem o amanhã antes de o ser já o era.

Com apenas mais seis meses de vida e ainda virgem, segundo informação da Octopus Daily Life, revista dedicada aos assuntos mundanos dos moluscos marinhos famosos, Paul irá provavelmente transferir-se para águas mais quentes, onde gozará uma merecida reforma e onde poderá dar largas ao seu amor tentacular, garantindo assim a continuidade da linhagem dos polvos-oráculos.

Saúde Paul, um abraço dos meus dois singelos braços e até sempre! És um campeão.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O paraíso num paddock perto de si

Tal como todas as outras crianças da minha idade, acreditava em monstros sinistros debaixo da cama a la Calvin&Hobbes. Anos depois saía para a rua com os meus amigos do bairro com a dose de lsd chamada Dragonball Z devidamente tomada e pensava que podia voar e impressionar as miúdas do ciclo com bolas de fogo azuis que se formavam nas minhas mãos. Depois, como todos os outros, passei a gostar de futebol e a frequentar bares aos fins-de-semana onde copos de cerveja iam e vinham como um boomerang sem fim enquanto se fazia o rescaldo da jornada de fio a pavio. O processo de idiotice estava por fim concluído. Há quem lhe prefira chamar crescimento, o que vem dar ao mesmo.

Desde então foram anos de escuridão e de vertigem hipnótica por entre as trevas subterrâneas do 4-4-2, do contra-ataque, do triângulo ofensivo, do remate do meio da rua e do fora-de-jogo que afinal não era. Foram 90 minutos uns atrás de outros que este domingo terminaram abruptamente com o som de saltos altos em doses maciças. Com o êxtase de um convertido, descobri que toda essa cegarrega chamada futebol não passa de uma imensa mariquice quando se toma consciência da existência neste mundo em que nós vivemos de um lugar chamado paddock, parte integrante de um desporto que até agora ignorara como um selvagem - as corridas de carros (sejam Fórmula 1, Fórmula 2, WTCC...).

O paddock existiu no princípio e existirá no fim dos tempos. É o local de onde Deus expulsou Adão e Eva. Ou seja, o paraíso. Mas com mais mulheres, melhor comida e desta vez com carros. E para variar na Terra. Bastou-me meia hora no paddock para que um gume de lucidez me rasgasse de cima a baixo, fazendo-me vomitar toda a farsa futebolística que me tem embriagado. No paddock há bandos de pernas à solta seguidas por objectivas ávidas do ângulo perfeito. Saem em grupos com indeumentárias religiosamente curtas e deixam pedaços do Belo atrás de si como Platão nunca descreveu. São a síntese última da criação. Neste patamar, a preferência por louras ou morenas é tão lógica como gostar mais do champoo de camomila do que o de alperce.

Não, meus amigos - não me voltam a enganar com a vossa farsa futebolística. Foram demasiados anos a ir no vosso engodo. No paddock, as transições do Luís Freitas Lobo são paneleirices que fazem corar de pudor o José Castelo Branco. No paddock, o Mourinho não passa do rapaz tímido do canto que come desajeitadamente o gelado que lhe escorre pelos braços. A partir deste dia em que me lêem, é de Brands Hatch em diante.

Agora percebo por que razão o Rui P. nunca me atende o telemóvel e por que se dedica há tantos anos ao desporto motorizado. Percebo que umas válvulas bem torneadas e oleadas possam ter o seu encanto, mas ninguém aguenta anos e anos a debitar sobre cavalos e motores a diesel. A resposta, meus amigos, está no paddock.

Portanto, só me resta ajoelhar e pedir perdão pelo meu comportamento: Aí, do paddock de onde me ledes, recebei as minhas desculpas terrenas, oh Rui P. Renego e abjuro todos relvados de futebol e todas as tácticas e transições que idolatrei durante anos fio. O Messi e o Maradona não passam de ídolos falsos e o futebol mais não é que um desporto maricas feito para pobres de espírito. Confesso que me tenho comportado como um homossexual sem remissão, bebendo cerveja e comendo amendoins com amigos em tascas com cheiro a fritos enquanto via o futebol e ofendia a mãe do árbitro. Aceitai o meu arrependimento e absolvei-me da minha conduta pecaminosa. Mostrai-me o caminho da virtude para o paddock, oh Rui P. Espero que um dia me abrais as portas do paddock e me deixeis sentar ao vosso lado direito. Abençoado sejais.

(Se preferires posso trabalhar à borla por tempo indeterminado e sem limite de horas desde que me deixes voltar a pisar o paddock.)







domingo, 27 de junho de 2010

Eis a questão



De outra perspectiva
À laia de Nuno Francisco: É o momento de todas as decisões. Deixou de haver o outro lado das coisas. Perante a fúria bestial que nos desafia, toda a metafísica se torna mais física que o granito beirão. É o regresso aos fundamentos, em que tudo se resume à questão essencial — tê-los ou não tê-los.

Foto: Shiva (Salvaterra de Magos); Texto: Shiva

domingo, 20 de junho de 2010

Da Cova da Beira

"Quem a olha, à noite, da Gardunha, percebe, pelo contraste da iluminação dos pólos urbanos e das comunidades afluentes, a enorme potencialidade da geografia humana que a Cova da Beira, em si mesma, oferece. Estamos face a uma metrópole à nossa dimensão que gravita à volta do concelho da Covilhã (onde avulta a Universidade da Beira Interior) e também dos concelhos do Fundão e Belmonte. Esta convergência define uma cidade média verdadeiramente singular no tecido urbano português. Como articular politicamente esta quase imposição geográfica, eis a questão. Não havendo instrumentos de poder interegional , nem vontade de debater a questão de um ponto de vista colectivo, resta que o tempo, esse escultor, acabe por impor a metrópole da Cova da Beira como espaço configurador dos seus habitantes. Quantos estudos invocam projectivamente essa realidade? Muitos. Qual tem sido o seu destino, até hoje? A gaveta."

Fernando Paulouro Neves, director do Jornal do Fundão


Foto de Riafoge

terça-feira, 15 de junho de 2010

Nanikos Populares 2010 - a aventura continua

Noite com aroma a sardinha a bailar pelas ruas inundadas de música. Nos bairros lisboetas, os manjericos embriagaram-se com a festa dos Nanikos FC, o clube que resiste à ameaça da cirrose. E ao tempo também. Prova disso são estas fotografias e as quadras dos Nanikos Populares. Manda a tradição que na noite de Santo Policarpo o naniko ofereça à nanika um garrafão de vinho com uma bonita quadra presa na asa. E assim foi.

Na noite de Santo António
Partiste-me o coração,
Fui para casa tocar harmónio
E beber pelo garrafão.


Na noite de Santo António
Comprei um manjerico,
Gastei o dinheiro todo
Mas deixei feliz o meu Naniko.



Oh meu rico Santo António
És um Santo casamenteiro,
Dá uma mulher ao Marquito
Para que não vire paneleiro.


Oh meu rico Santo António
Dá amor ao meu Xico,
Sei que ele é malvado
Mas é o meu Naniko.


Na noite de Santo António
Dancei com uma checa,
Ofereci-lhe um manjerico
Porque não quis dar uma queca.


Oh meu rico Santo António
Dá beber ao meu André,
Sei que já está com os copos
Mas ainda se aguenta de pé.


Na noite de Santo António
Danço e bebo até de madrugada,
Espero encontrar os meus amigos
E também a minha amada.


Santo António
Santo Antoninho,
Dá-me inspiração
Para oferecer ao meu Ruizinho.


Oh meu rico Santo António
Dá-me pão com sardinha,
E se não for pedir muito
Deixa-me dançar com a Paulinha.

sábado, 12 de junho de 2010

Descarrilando por aí

Lisboa é uma mulher que se vai descobrindo a cada novo encontro. Descarrilo da geometria rígida da rotina e viajo pelo seu regaço. Desço a calçada íngreme da Bica, onde o fim de tarde se vai vestindo para a noite. Dançam nuvens vagarosas de fumo dos fogareiros à entrada dos cafés. Homens de farto bigode, calções e t-shirt cravados de nódoas de gordura atiçam o carvão incandescente. A sardinha já pinga no pão, rescendendo ruas, becos e alfurjas com o seu cheiro a mês de Junho.

Lisboa é um rio cheio de meandros que desaguam em recantos pitorescos, poiais e pequenos jardins. Ao entardecer, as cores harmonizam-se num quadro que embala os sentidos. Mesmo as estrelas que desceram do céu de água cinzenta não ferem os olhos com o seu brilho cru. Vogam nas fitas azuis, vermelhas, verdes e amarelas, dando um sorriso festivo à Rua dos Cordoeiros. Além ondula uma bandeira nacional pendurada na varanda e acima um vaso de manjerico espreita à janela. No largo Santo Antoninho afinam-se graves e agudos da aparelhagem, que passa canções portuguesas debaixo de uma árvore de copa elegante. Por causa da espessa crosta de ignorância com que saí do ventre da faculdade, não lhe sei dizer o nome. Sigo adiante. Os primeiros comensais já estão sentados nas mesas brancas de plástico que ladeiam a rua. Saem do lume as sardinhas e as febras fumegantes acompanhadas pelo tinto da casa, servido em jarros de barro. Quando o xaile da noite cobrir em definitivo o dia, esta e todas as outras ruas serão um mar transbordante de festa que alastrará por todos os bairros devotos a Santo António. Não sei bem porquê, sinto um travo forte a nostalgia de um passado difuso. As memórias são peixes que vêm à superfície para logo mergulharem no leito do tempo.

Lisboa é uma boneca russa que se desvela aos meus passos errantes. Descubro uma nova rua que flutua por cima do frenesim da Calçada do Combro ao lado da Igreja de Santa Catarina. Com o espanto próprio dos iniciados, passo o portão verde que está aberto e avanço. Há um arco branco logo à entrada que lhe dá um toque árabe. Mais à frente descubro um campo de futebol com piso de tartan. Mas o que domina o panorama é a elegante chaminé laranja nas traseiras da Rua do Século, outrora Formosa. A espreitar do lado esquerdo está o vermelho escuro da Escola Passos Manuel. Saio e volto a mergulhar no pulsar festivo da cidade.

Cai a noite e sinto o desamparo de quem já não é conduzido por carris. A certeza totalitária do ferro deu lugar ao acaso que tropeça, democraticamente, por uma Lisboa irregular. Antes assim. São cada vez mais efémeros os momentos em que tudo volta a ser real. As luzes eléctricas eclipsaram as estrelas que brilham lá em cima cada vez mais solitárias. O Homem hipnotizado durante horas a fio pelo fogo de uma fogueira já não existe. E o grito milenar de espanto perante o incompreensível espectáculo de uma existência feita de carne e osso já mal se ouve. Hoje gostava de o ter ido escutar a Foz Côa, onde tudo começou. Mas os carris de ferro ditaram outra coisa.

sábado, 10 de abril de 2010

sexta-feira, 26 de março de 2010

Jam Session 2010

Foi assim o festival de snowboard na Serra da Estrela no qual estive presente com dois artistas da zona de Lisboa. Pelo profissionalismo, percebe-se que o primeiro vídeo não é da minha lavra, enquanto que o amadorismo do segundo revela que o autor só pode ser a minha pessoa. Marquito, preferiste trocar um dia na Serra da Estrela cheio de miúdas da Red Bull por uma noite na Moagem com o Vita?

Para a próxima não te esqueças da palavra neve. Já agora, e numa de achincalhamento primário e gratuito, deixo aqui tua frase para que fique para todo o sempre gravada na blogosfera e na memória de todos os que visitarem esta tosca casa:

"Cada vez que vou à Serra, passo um frio de rachar,
por isso nada melhor que o Spark para me ajudar,
ao passear pela Spark Jam Session já equipado, do Spark vou falar,
para quem estiver com frio ou desconfortável e não souber como se equipar."

Neve? Onde estás neve? Pelo estilo burilado da quadra, pelas rimas emparelhadas e pela métrica decassilábica capaz de envergonhar um Luís de Camões ou um Bocage, vê-se que pensaste seriamente no assunto, mas onde raio metestete a palavra neve?

Neve, Marquito! Neve, onde está a neve? Bate leve e levemente como quem chama pelo Marquito...




quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

E tudo o vento levou!!!

Um anda para Barcelona, outro para Madrid, e o homem das Budweiser pelos States!!

Assim sendo, já se fala em visitas a tais terras encantadas!!!
Eu comprei viagem para Madrid de 4 a 9 de Fevereiro por 35 euros..Por isso quem tiver em maré, que se junte!!
Em conversa com o Ukrania chegamos a acordo que em Abril vamos orientar a viagem a Barcelona, por isso mexam cordelinhos e euros para a festa..
Já em relação aos States ainda aguardamos a remessa do emigrante para voos mais distantes!!
Nai nai e começar a orientar as viagens!!