domingo, 11 de julho de 2010

Os tentáculos do amanhã

Os meus parabéns ao Paul pelo Mundial-2010 irrrepreensível que realizou. Sai da competição com a cotação em alta e com os grandes oceanários atrás de si. Será muito difícil o aquário Sea Life em Oberhausen, Alemanha, segurar os seus tentáculos oraculares face às propostas milionárias que provavelmente irão chover. Excelente visão, capacidade de ver o que se vai passar muito antes de todos os outros, fortíssimo poder de antecipação... Assim é Paul, o polvo para quem o amanhã antes de o ser já o era.

Com apenas mais seis meses de vida e ainda virgem, segundo informação da Octopus Daily Life, revista dedicada aos assuntos mundanos dos moluscos marinhos famosos, Paul irá provavelmente transferir-se para águas mais quentes, onde gozará uma merecida reforma e onde poderá dar largas ao seu amor tentacular, garantindo assim a continuidade da linhagem dos polvos-oráculos.

Saúde Paul, um abraço dos meus dois singelos braços e até sempre! És um campeão.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O paraíso num paddock perto de si

Tal como todas as outras crianças da minha idade, acreditava em monstros sinistros debaixo da cama a la Calvin&Hobbes. Anos depois saía para a rua com os meus amigos do bairro com a dose de lsd chamada Dragonball Z devidamente tomada e pensava que podia voar e impressionar as miúdas do ciclo com bolas de fogo azuis que se formavam nas minhas mãos. Depois, como todos os outros, passei a gostar de futebol e a frequentar bares aos fins-de-semana onde copos de cerveja iam e vinham como um boomerang sem fim enquanto se fazia o rescaldo da jornada de fio a pavio. O processo de idiotice estava por fim concluído. Há quem lhe prefira chamar crescimento, o que vem dar ao mesmo.

Desde então foram anos de escuridão e de vertigem hipnótica por entre as trevas subterrâneas do 4-4-2, do contra-ataque, do triângulo ofensivo, do remate do meio da rua e do fora-de-jogo que afinal não era. Foram 90 minutos uns atrás de outros que este domingo terminaram abruptamente com o som de saltos altos em doses maciças. Com o êxtase de um convertido, descobri que toda essa cegarrega chamada futebol não passa de uma imensa mariquice quando se toma consciência da existência neste mundo em que nós vivemos de um lugar chamado paddock, parte integrante de um desporto que até agora ignorara como um selvagem - as corridas de carros (sejam Fórmula 1, Fórmula 2, WTCC...).

O paddock existiu no princípio e existirá no fim dos tempos. É o local de onde Deus expulsou Adão e Eva. Ou seja, o paraíso. Mas com mais mulheres, melhor comida e desta vez com carros. E para variar na Terra. Bastou-me meia hora no paddock para que um gume de lucidez me rasgasse de cima a baixo, fazendo-me vomitar toda a farsa futebolística que me tem embriagado. No paddock há bandos de pernas à solta seguidas por objectivas ávidas do ângulo perfeito. Saem em grupos com indeumentárias religiosamente curtas e deixam pedaços do Belo atrás de si como Platão nunca descreveu. São a síntese última da criação. Neste patamar, a preferência por louras ou morenas é tão lógica como gostar mais do champoo de camomila do que o de alperce.

Não, meus amigos - não me voltam a enganar com a vossa farsa futebolística. Foram demasiados anos a ir no vosso engodo. No paddock, as transições do Luís Freitas Lobo são paneleirices que fazem corar de pudor o José Castelo Branco. No paddock, o Mourinho não passa do rapaz tímido do canto que come desajeitadamente o gelado que lhe escorre pelos braços. A partir deste dia em que me lêem, é de Brands Hatch em diante.

Agora percebo por que razão o Rui P. nunca me atende o telemóvel e por que se dedica há tantos anos ao desporto motorizado. Percebo que umas válvulas bem torneadas e oleadas possam ter o seu encanto, mas ninguém aguenta anos e anos a debitar sobre cavalos e motores a diesel. A resposta, meus amigos, está no paddock.

Portanto, só me resta ajoelhar e pedir perdão pelo meu comportamento: Aí, do paddock de onde me ledes, recebei as minhas desculpas terrenas, oh Rui P. Renego e abjuro todos relvados de futebol e todas as tácticas e transições que idolatrei durante anos fio. O Messi e o Maradona não passam de ídolos falsos e o futebol mais não é que um desporto maricas feito para pobres de espírito. Confesso que me tenho comportado como um homossexual sem remissão, bebendo cerveja e comendo amendoins com amigos em tascas com cheiro a fritos enquanto via o futebol e ofendia a mãe do árbitro. Aceitai o meu arrependimento e absolvei-me da minha conduta pecaminosa. Mostrai-me o caminho da virtude para o paddock, oh Rui P. Espero que um dia me abrais as portas do paddock e me deixeis sentar ao vosso lado direito. Abençoado sejais.

(Se preferires posso trabalhar à borla por tempo indeterminado e sem limite de horas desde que me deixes voltar a pisar o paddock.)