quinta-feira, 31 de março de 2011

NanikLeaks - MC e a luta pela independência da Cova da Beira

O presente telegrama centra-se em MC e na sua luta pela independência da Cova da Beira. Depois do InterRail de 2009, o embaixador norte-americano alertou a cúpula do poder em Washington que o adorador de metal e elemento dos Nanikos FC estava cada vez mais empenhado em iniciar uma guerra sem quartel pela independência da região em relação a Portugal. Como cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, Thomas Stephenson foi lesto a evitar que o seu plano fosse avante. Para facilitar a leitura e compreensão, o telegrama foi traduzido para português.

ID: 142126
Date: 2009-09-16 04:58
Origin: 09LISBON433
Source: Embassy Lisbon
Classification: CLASSIFIED
Destination: VZCZCXYZ0000
FM AMEMBASSY LISBON
TO RUEHC/SECSTATE WASHDC 6632
INFO RUCPDOC/DEPT OF FOREIGN AFFAIRS WASHDC

C L A S LISBON 000433
TAGS: MC, COVA DA BEIRA, INDEPENDENCE; NANIKOS
SUBJECT: MC’S ACTIVISM FOR THE INDEPENCE OF COVA DA BEIRA
REF: STATE 13169 POST/DEPARTMENT
OFFICE: FCS, ODC, Pol/Econ
COUNTRY: Portugal

1. Encravada entre montanhas, cerros e quebradas, a Cova da Beira é um dos locais mais remotos de Portugal Continental. Os seus habitantes, maioritariamente rurais, analfabetos e pobres, desde sempre se conformaram com a sua sorte e com o que a terra lhes dá, não acalentando outras ambições para além da lavoura de sol a sol, do tinto na tasca com os amigos e do dinheiro ao final do mês para pagarem os impostos e encherem o depósito do tractor. Apesar das dificuldades, até há bem pouco tempo ninguém parecia disposto a fazer o que fosse para se libertar da situação de miséria em que se encontra, tal é o hábito de obedecer a todas as ordens, desde as emanadas pelo poder abstracto de São Bento até às do sino, que com as suas badaladas concretas lhes diz quando devem pegar e largar o trabalho, quando devem tomar as refeições e quando é que devem dormir e acordar.

2. Esta mansidão de espírito foi agitada rcentemente com a actividade subversiva de MC, um dos elementos dos Nanikos, que de há alguns anos para cá começou a defender a ideia de tornar a Cova da Beira independente. Foi uma verdadeira pedrada no charco para a região que, qual gato indolente, dormia sob o seu conformismo de fome e rotina. Creio que essa missão utópica com a qual se comprometeu terá germinado após uma viagem ao País Basco. É muito provável que tenha entrado em contacto com células da ETA, que o terão incentivado a seguir o caminho da luta secessionista em Portugal. Inicialmente, tudo não passava de fanfarronice e folclore que, mais não fosse, alegrava os amigos nas pachorrentas noites beirãs.


3. No entanto, desde que regressou do InterRail, a sua ideia ganhou consistência. Segundo as informações recolhidas pelo nosso contacto na Cova da Beira, o senhor *, é agora frequente vê-lo discutir por entre cafés e casas particulares os moldes pelos quais se fará a independência da região. No seio dos Nanikos há quem prefira partir desde já para a luta armada, como o Ucrânia, que defende a necessidade de tomar de assalto os postos da GNR; outros, como é o caso do Bojo, preferem um caminho mais longo, que passará pela sensibilização e consciencialização dos habitantes para a necessidade de se tornarem independentes de Portugal. Divisões à parte, a verdade é que a ideia está a ganhar forma e até já foi delineado a organização administrativa do país por vir. Assim, a Covilhã será a capital do país, por ser a cidade mais desenvolvida e com maior capital humano; o Fundão será a capital administrativa, basicamente funcionando como o escritório burocrático da capital; Belmonte será a capital financeira, devido à sua vasta e próspera comunidade judaica, vista como um verdadeiro Wall Street beirão. Além disso, determinaram que o rio Zêzere será o primeiro curso natural cujas águas não chegarão ao mar, nascendo e morrendo na Cova da Beira graças à construção de enormes barragens; a Soalheira, por sua vez, e apesar de já não fazer parte da região, também se tornará independente com o objectivo exclusivo de produzir energia solar.

4. Sinceramente não sei se o plano irá para a frente, mas é preciso actuar desde já. O MC participou recentemente no programa de estágios profissionais no estrangeiro denominado InovContacto. Depois de várias diligências consegui obter junto da AICEP os resultados que obteve. Foram bastante bons, pelo que não devemos desperdiçar a oportunidade de enviá-lo quanto antes para o estrangeiro para que ocupe o seu espírito com outros assuntos que não a independência da Cova da Beira. Como é formado em informática, tomei a iniciativa de contactar a Cisco em São Francisco e exigi-lhes que fosse integrado nos quadros da empresa, independentemente de haver trabalho ou não. Se levantarem problemas de ordem financeira, creio que o nosso Governo não se importará de lhes pagar o ordenado do MC. De certeza que ele irá ficar contente e rapidamente se esquecerá da Cova da Beira.

5. “Um artista de circo que se deixa aplaudir é já um burguês”, escreveu Jean Genet. Aqui aplica-se a mesma fórmula. Damos-lhe hoje a oportunidade única de trabalhar na maior empresa de informática do mundo a milhares de quilómetros de distância e amanhã ele já não saberá identificar a Cova da Beira no mapa.

Nota 1: O estágio na Cisco deverá começar em Janeiro. Depois voltarei a falar com o presidente para o integrarem em definitivo.

Nota 2: Não sei se receberam o pack de vinho Alcambar que enviei há duas semanas. Em caso afirmativo, não o bebam! Disseram-me que era um vinho de topo da Cova da Beira, mas afinal não passa de uma purga. Sugestão: apliquem-no como método de tortura aos prisioneiros de Guantánamo. Vão ver como é eficaz.

Nota 3: Há em Portugal um cronista social chamado Carlos Castro que na semana passada escreveu um artigo bastante ofensivo na revista ** sobre a indumentária que usei na cerimónia de caracóis e champagne na Embaixada de França. Temos de fazer alguma coisa em relação a esse gajo. Pensem nisso.

Stephenson

* Por questões de segurança, o Jornal O Naniko não revela o nome
** Por questões de higiene, o Jornal O Naniko não revela o nome

segunda-feira, 28 de março de 2011

Leitor, lê-nos como se não houvesse letras amanhã

Caro leitor, é com incontida emoção que o Jornal O Naniko está neste momento a largar duas pingas de urina pelas páginas abaixo por voltar a ser lido por ti. Como nos sentimos felizes quando passas os teus bonitos olhos pelas linhas que escrevemos… Sobretudo quando nos lês na diagonal. É uma sensação indescritível. E que saudades tínhamos... Um suor frio galopa neste preciso momento pelos nossos parágrafos acima à medida que a tua íris desliza lascivamente pelos contornos das letras; as vogais ficam todas em pele de galinha; as vírgulas transformam-se em exclamativos pontos de exclamação mesmo que a sintaxe da oração não o justifique!; os pontos finais suspiram por mais; as linhas estendem-se até ao infinito em êxtases emocionados, como esta aqui que continua e continua e continua sem fim à vista, a curtir uma de Saramago, até que chega a um ponto em que tenho de lhe pôr um ponto, de preferência parágrafo, mas não consigo, por isso continuamos ali em baixo, não, ali, inclina um pouco mais a tua cabeça, não, no outro sentido, isso, aí

Quando relês a mesma linha também sabe bem, mas convém não exagerar. As outras frases ficam roídas de inveja e vêm logo com a conversa de que não gostam de fazer parte dos textos que escrevemos, que são mal pagas e que querem emigrar para artigos e blogues onde são grafadas com dedos besuntados de caviar, como o Abrupto. Em retaliação, eu, director, relembro-lhes que anda por aí um novo acordo ortográfico e se necessário for aplico-o de imediato sem direito a discussão. Assustadiças como são, as palavras engolem as suas próprias palavras e vão pregar para outra freguesia. E foi assim que recentemente assinámos um bonito pato de não agressão, não foi pacto? E começámos todos a falar com elevação e correção e não houve mais nenhuma ação e atividades subversivas contra mim, porque mesmo sem enfardar ostras e cadelinhas também sei ser abruto. Estou a brincar, não se vão embora porque ainda temos muito que contar ao nosso estimado leitor que, a esta hora, já deve estar a um clique de se trasladar para o redtube.


É verdade que nos votámos deliberada e conscientemente a um prolongado silêncio, o que de maneira nenhuma deve ser confundido com inacção. Na sombra estivemos a trabalhar para voltarmos a dar vida a esta prístina infusão de ideias, reflexões, mundividências e cidreira, familiarmente chamada blogue dos Nanikos FC. Apenas regressámos agora porque no passado mês de Dezembro a nossa redacção foi contactada por Julian Orange, fundador da organização NanikLeaks, para a publicação de milhares de telegramas confidenciais da embaixada dos Estados Unidos da América (EUA) em Lisboa sobre o nosso muy nobre e estimado clube. O acervo de documentos para análise, ordenação e publicação revelou-se tão vasto e complexo que este jornal teve de pedir ajuda ao matutino O Bombo de Lavacolhos, ao hebdomadário Regadio de Artes, Letras e Ideias e ao noctívago digital Transumância de Notícias.

Foram cerca de quatro meses de aturado trabalho por entre uma floresta cerrada de telegramas e post-its. A nossa tarefa consistiu sobretudo em separar a comunicação despicienda e irrelevante daquela que nos pareceu importante e que, segundo a nossa avaliação, merece ser publicada neste espaço depois da devida correcção das imprecisões de facto e da necessária contextualização. Agora que estou a chegar ao cume deste trabalho homérico (se não mesmo ciclópico e quiçá hercúleo) posso escrever, com a escrita desafogada pela vista que contemplo aqui de cima, que a ingerência da embaixada dos EUA no quotidiano dos Nanikos FC é, sem mácula de dúvida, assustadora. O nível de detalhe das informações que os sucessivos embaixadores americanos obtiveram ao longo dos últimos anos sobre cada um dos elementos do clube, obrigará a direcção a rever a sua estratégia de comunicação para não voltar a ser inconscientemente manipulada pelas teias omniscientes, omnipotentes, omnívoras e omnipresentes do Tio Sam.

A informação que doravante começaremos a publicar foi submetida a regras bastante rígidas. Todos os visados nos telegramas foram previamente contactados para que nenhuma questão de segurança fosse posta em causa: a nossa investigação não pretende fazer perigar a vida de quem quer que seja, mas antes informar e contribuir para o esclarecimento da opinião pública sobre a actividade diplomática da embaixada dos EUA que visou os Nanikos FC.

Estimado leitor, é no seu interesse que publicaremos estes telegramas. Fazêmo-lo com a plena convicção de que o mundo não ficou mais perigoso depois da NanikLeaks, mas mais bem informado.