sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Emanuel Marrusso (1986-2009)

Foi na Pedra d'Hera, miradouro natural alcandorado na Serra da Gardunha, que Emanuel Marrusso veio ao mundo. Logo nos primeiros instantes de vida, os olhos do recém-nascido vararam de lés a lés a Cova da Beira, com o Fundão a espraiar-se lá em baixo, na planície, e a trepadora Covilhã a resvalar ao longe na encosta íngreme da Estrela. Talvez tenha sido por esse acaso que o petiz adquiriu uma visão ampla e abrangente da realidade, o que lhe permitiu desde muito novo sobressair da mediocridade reinante na cidade beirã.

Ainda de cueiros, Marrusso demonstrou grande apetência e talento natural para a informática. Aos seis anos, os pais deram-lhe o primeiro PC, o qual desmontou vezes sem conta. A facilidade com que manipulava os componentes electrónicos, não passou despercebida aos progenitores que, durante as pausas do ano lectivo, o punham a trabalhar na Regisfundão. Na escola foi o melhor aluno do ensino básico, com notas muito superiores às dos seus colegas. Como prémio, o corpo docente ofereceu-lhe o "Prince of Persia", na altura considerado o jogo mais complexo alguma vez criado pelos cérebros de Silicon Valey. No entanto, o adolescente, então com 15 anos, deixou boquiabertos os seus mestres ao dar-lhe a volta em apenas duas horas. O feito navegou pelas sete partidas do mundo até chegar aos ouvidos do reitor da Universidade da Beira Interior, que lhe garantiu uma bolsa mensal de 1000€, valor impensável para a época.

Garboso, de cabelo louro e olhos azuis, Marrusso sempre causou profunda comoção na população feminina local. De trato fácil e dono de uma inteligência superior, distinguia-se com naturalidade da rudeza carroceira dos demais. Aos 17 anos teve uma paixão violenta pela futura arquitecta Catarina 'Ginjas'. No entanto, a relação acabou abruptamente quando o seu coração frágil foi trespassado pelos ferozes impulsos amorosos de Joana, uma abastada industrial de fertilizantes ambientais, numa traição que deu brado na região e que foi magistralmente relatada pelo impoluto cronista da época, Mário Bukowski Lopes Zurara. Este episódio amoroso acabaria por ter repercussões na sua vida profissional e académica, levando-o a suspender o projecto de desenvolvimento de uma inovadora linguagem de programação na Universidade. Descoroçoado, refugiou-se alguns meses na aristocrática Sintra da Beira, Alpedrinha, porto de abrigo de Casanovas e Romeus. Foi aí que sucumbiu à enigmática beleza da baronesa Inês Fernandes, com quem viria a casar-se aos 22 anos de idade na Igreja Matriz do Fundão.

Foi ela quem lhe deu o impulso necessário para voltar à investigação académica e ao seu projecto, o qual já era cobiçado pelas mais importantes empresas de informática do mundo. Quando estava quase concluído, suspendeu-o por razões ainda não totalmente esclarecidas pelos seus biógrafos. A versão que corre pelas bocas do comum cidadão, conta que Emanuel Marrusso fez um interregno para passar a lua-de-mel com a sua mulher em Lavacolhos. Decisão estranha e também trágica, porque foi aí, na praia fluvial da aldeia, que encontrou a morte. No dia 4 de Setembro de 2009, ao dar um mergulho no rio, calculou mal a sua profundidade (apesar de nadar nele frequentemente), partindo o pescoço contra uma rocha escondida no fundo do leito, segundo a informação oficial da GNR do Fundão. Tinha então 23 anos e ainda não deixara descendência. Num encadeamento bastante estranho de acontecimentos, dias depois o seu projecto desapareceu da Universidade da Beira Interior e a Inês Fernandes nunca mais foi vista na região, suspeitando-se que vive actualmente na sinagoga de Belmonte.

No dia do seu funeral, o Fundão uniu-se para lhe prestar um derradeiro e comovido tributo. Em sinal de respeito e afecto por uma das mais ilustres personalidades da região, foi-lhe atribuído o título póstumo de "Príncipe das Beiras" e mais ninguém voltou a jogar até aos dias de hoje o "Prince of Persia".

Hoje, Emanuel Marrusso faria 24 anos. O jornal O Naniko não se esquece da tua memória e dedica-te este texto na certeza de que estás a ler estas palavras algures na outra margem da vida. Muitos parabéns, Marrusso.

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