sexta-feira, 23 de março de 2007

Duelo em Belém

Antes de mais, uma palavra de desprezo para o pavilhão do Belenenses. É feio, quente e escuro. E ainda por cima os adeptos sentados nas bancadas não conseguem ver na sua totalidade o recinto de jogo, o que denota uma total falta de respeito pelo público. Perante isto, como é que os seus apaniguados têm o descaramento de se auto-intitular o 4º grande? Não há maior cego do que aquele que não quer ver, sempre ouvi dizer. O Belenenses não passa de uma instituição autista e provinciana que devia ser enviada em correio azul para os distritais. Mas adiante.

Habituada a jogar em grandes palcos, a ADF não conseguiu adaptar-se ao ambiente amazónico que se vive no interior daquele pardieiro. Por isso, foi miseravelmente derrotada por 6-4. Sentado na bancada, Bukowski seguia as incidências de jogo com a calma e a profundidade analítica que lhe são sobejamente conhecidas, qual manual aberto. “Penso que há uma desadaptação técnico-táctica do número 11 da ADF ao esquema de jogo arquitectado pelo professor José Luís”; “o tempo-espaço de jogo do Belenenses devia ser encurtado através de uma pressão constante sobre o transportador da bola.” Contudo, mais do que um bom desafio de futsal, Bukowski preza semper et ubique o desportivismo. No final do jogo, apesar de vergados a uma derrota que pôs em causa o acesso da sua querida ADF aos play-off, bateu palmas calorosas aos vencidos e aos vencedores. “Muito bem Belenenses. Mereceram ganhar, os meus parabéns!” Ao aproximar-se do recinto de jogo para felicitar um jogador da cruz de Cristo que estava sentado no banco, foi insultado de uma forma abjecta e absolutamente gratuita. A arenga do jogador de azul seguiu a cartilha do costume: “Filho-da-puta-vamos-lá-fora-porque-lá-fora-é-que-a-gente-conversa-anda-lá-seu-maricas-de-merda!”. Impávido, Bukowski sacudiu a sotaina negra e tentou chamar à razão o exaltado jogador. “Tem calma, meu irmão. Olha para a Cruz de Cristo que envergas no teu equipamento e lembra-te que somos todos filhos do mesmo Pai. E lembra-te também que ganhaste o jogo. Não há maior derrotado do que aquele que não sabe ganhar.” As sábias e sensatas palavras do jovem Bukowski não tiveram qualquer efeito nos furores do jogador. Selvaticamente, continuou a desafiá-lo para um combate corpo a corpo. Perante a sua intransigência, Bukowski decidiu ceder às provocações e submeter-se, em nome da Jure, a um duelo mortal.

***


Belém, 18:45 da tarde. A eterna rotação terrestre afunda o Sol nas águas frias do Atlântico. Um veleiro iluminado de laranja sulca o azul do Tejo, deixando atrás de si um rasto de espuma branca. À beira-rio, os Mosteiros dos Jerónimos e a Torre de Belém são envolvidos na bruma, ganhando contornos fantásticos. Cada pedra de calcário sussurra a grandeza passada de Portugal. Liderada pelo olhar visionário de D. Infante Henriques, a ínclita geração contempla o lugar onde a terra acaba e o mar começa. Um gato de riscas amarelas espoja-se preguiçosamente no chão morno, tomando os últimos banhos de Sol.

Belém, 18:45 da tarde. Lentamente a multidão vai preenchendo os lugares do estádio. Cachecóis azuis e brancos e bandeiras ondulantes agitam-se em mãos esperançosas de um desfecho feliz. Nas roulotes, senhoras anafadas de avental branco saciam a fome aos adeptos. Os hambúrgueres mirrados disfarçam mal o nervosismo que cresce à medida que se aproxima o pontapé de saída. O zumbido ininteligível da turba é substituído por cânticos de incentivo às respectivas equipas. Nos balneários, treinadores tensos dão as últimas prelecções aos jogadores. No final, sorte e azar terão definido quem é quem na estrada da Europa.

Belém, 18:45 da tarde. Um bando de andorinhas silenciosas rasga o céu crepuscular. Os círculos que descreve sobre o Tejo auguram um funesto acontecimento. À beira-rio, os olhos dos dois contendores cruzam-se num desprezo mútuo. Os raios oblíquos do Sol incendeiam os rostos separados por meio metro de distância. Ambos seguram uma arma mortal. O jogador da Cruz de Cristo tem na mão direita um sinistro pastel de Belém polvilhado de canela, sanguinolenta especiaria do Oriente. Bukowski exibe um tosco Panívoro, fruto da sua terra natal, Fundão. Simultaneamente, viram-se de costas e dão dez passos. O Sol é apenas um traço laranja, náufrago na imensidão atlântica. O respirar expectante do Tejo prepara-se para o embate. No estádio, a equipa local acaba de marcar. O pastel de Belém é a primeira arma a ser projectada. O rodopio estonteante transforma-o numa guilhotina alada. Bukowski é demasiado lento a reagir. Perigosamente lento. Num salto felino, todavia, consegue escapar do projéctil que tinha como destino a sua cabeça. O pastel assobia-lhe aos ouvidos, esborrachando-se violentamente contra a Torre de Belém. Porém, Bukowski não fica incólume. Parte da canela espirrou-lhe para o olho direito, cegando-o de imediato. Zarolho, dorido e pesado, levanta-se do chão com dificuldade. O atleta do Belenenses sorri, saboreando antecipadamente a vitória.

Belém, 19:07 da tarde. A noite avança, adensando a penumbra. No céu azul-escuro, Vénus já faísca. Com a dignidade ferida, Bukowski sacode os resquícios de canela da sotaina negra e reúne as últimas forças. Num jorro de fúria e audácia inauditas arremessa o Panívoro a uma velocidade incomensurável. Os efeitos fantásticos que descreve no ar reduzem a cinza qualquer hipótese de fuga do atleta do Belenenses. O Panívoro entra-lhe como um foguete pelas goelas abaixo, alojando-se no estômago. Erguendo os braços, Bukowski solta urros de triunfo. O adversário cambaleia. A massa mal cozida do Panívoro fermenta de imediato em contacto com o suco gástrico. O estômago do atleta da Cruz de Cristo transforma-se numa pedra inquebrantável, provocando-lhe dores insuportáveis. Com o corpo sacudido por violentos espasmos, estende a mão ao adversário, num gesto de súplica e desespero. Bukowski olha-o com um ar de dolorosa superioridade e dejecta-o para o Tejo. “A glória também consiste em empurrarmos o nosso adversário para o abismo”, diz enquanto contempla o brilho sonhador de Vénus.


       ***

Com grossos braços, Angeja arremessa Bukowski ao ar numa alegria desmedida. Paulo Pinto chora encostado ao ombro de Nuno Couto, prometendo-lhe que no próximo jogo faz um hat-trick. A ADF está salva. O brilho redentor das estrelas disseminadas pelo céu diz claramente que o sonho da manutenção continua já amanhã.


6 comentários:

Shiva disse...

Moral da história: não comam panívoros que dá cabo do estômago.

rui jacaré disse...

fantástico!

Anónimo disse...

Moral da História: Se o xicoxico tivesse a jogar a ADF não perderia!

Deus

bukowski disse...

o aroma do vinho é bem mais leve...O Sol já doura os nossos copos... Bebamos!

Anónimo disse...

É com todo o espanto que leio tamanhas barbaridades alusivas ao Clube de Futebol Os Belenenses, e sendo o meu clube de eleição, não posso deixar de me sentir visado pelos comentários tristes e de mau gosto.

1º aspecto - O CFB tem um pavilhão antigo, com cerca de 40 anos e que há muito é um simbolo do desporto do clube. Foi construído com dinheiro do clube, sem qualquer ajuda de municipios, ou outras instituições do género. Por isso parece-me no minímo ridiculo que acusem o Belém de ter um pavilhão de má qualidade, quando o da ADF nem sequer pode ser utilizado na liga e estes tÊm que ir jogar para o pavilhão Municipal.


2º aspecto - Não sei que remodelações têm sido feitas nos ultimos tempos no pavilhão da ADF, mas no meu tempo...aquilo era tudo menos fresquinho. Já para não falar no pavilhão municpal onde não se consegue estar quer no Verão, quer no Inverno.


3º aspecto - O CFB não é intitulado o 4º grande por favor, ou por simpatia. É indiscutivelmente, e quem quiser pode pesquisar, o 4º clube do país com mais adeptos, o 4º com mais titulos no futebol, o 4º com mais presenças na 1º liga e mais....o 4º com mais titulos nas modalidades ditas amadoras. Por isso quanto a isto...estamos falados.


4º aspecto - Não sei, e sinceramente acho pouco relevante, o que sucedeu entre o Bukowsky e o atleta do Belenenses, mas duma coisa tenho a certeza, pois conheço o Mário há já alguns anos, para o jogador lhe ter respondido de tal maneira é porque o Mário não lhe foi dizer que ele era muito bonito ou que era o melhor jogador do mundo.


5º aspecto - Sugiro aos cerca de 100...200 adeptos dessa instituição denominada Associação Desportiva do Fundão, que alterem o nome do clube, pois actualmente só tem Futebol e Futsal. Sugiro Associação de Futebol do Angeja, pois eu bem sei como os atletas do basket foram tratados durante anos a fio....e mais não digo para não me chatear.


6º e último aspecto - A cruz que "mora" no emblema Belenense nada tem a ver com a Cruz onde cristo foi crucificado e que é simbolo máximo da igreja católica. A cruz do Belenenses é uma cruz de cristo de seu nome, mas que tem um significado um bocado diferente, pois diz respeito aos descobrimentos e não à igreja. O belenenses é um clube pluralista e que nada tem a ver com qualquer tipo de ideologia religiosa ou de qualquer outra fonte.


Obrigado pela atenção e viva o Belenenses!!!!


bojo

Manolo disse...

Caros companheiros! Depois do que li acerca do Belenenses, apenas quero referenciar duas pequenas coisas:
Todos vocês sabem que fui jogador da ADF e que estimo muito o clube da nossa terra, mas não posso deixar de concordar com o que o Bojo disse.

Em segundo e para o Mário, quero apenas perguntar porque é que o Belém lhe dá tanta azia? Será porque o Vitória de Setúbal é muito melhor? Olha para o teu clube primeiro e não ofendas os dos outros.

Viva o Belenenses!!!