Encontramo-nos às quatro da tarde na esplanada do café
Pôr-do-Sol, na Figueira da Foz. Xico Xico recebe-nos com um aperto de mão e apresenta-nos
a sua namorada, a Margarida. Assim que nos sentamos, apercebemo-nos de imediato
da tensão que há no ar. Ela tem a testa franzida e ele os braços cruzados.
Ambos evitam cruzar o olhar. Por uma questão de decoro, não procuramos
esclarecer a situação. Felizmente o empregado aproximou-se em passo solícito da
nossa mesa, evitando que um silêncio desconfortável se cristalizasse.
Aproveitamos para pedir um vinho do Porto e a Margarida mais uma imperial. Já o Xico Xico continua a beber a sua água sem gás.
Olhamos detidamente para ele. Ainda nos custa acreditar
que este momento não é fruto da nossa imaginação. Ao longo de vários meses
fomos tentando arranjar uma nesga de tempo para nos encontrarmos. Quando
parecia que estava tudo bem encaminhado, surgia sempre um imprevisto que o
levava para outro vértice do triângulo Fundão-Figueira da Foz-Coimbra. Nunca
sabíamos ao certo onde estava e para onde ia. E, pelos vistos, ele também não. Às
vezes ligava o carro na Figueira da Foz para ir ter connosco a Coimbra e acabava
no Fundão. Entre tantas chamadas e emails infrutíferos, pensámos em desistir.
Tínhamos a sensação de que andávamos atrás de uma sombra. Houve ocasiões em que
não nos cruzámos por uns minutos no local combinado. Perguntávamos então por
ele e ninguém o tinha visto. Nessas alturas chegámos a pôr em dúvida a nossa
sanidade mental. Será que estávamos a viver dentro de uma alucinação e o Xico
Xico nunca existira? A vibração do telemóvel ancorava-nos de novo à realidade
e, quando ouvíamos a sua voz grave do lado de lá da linha, voltávamos a crer na
sua existência. Pedia-nos invariavelmente desculpas por mais uma situação
inesperada que o sugara para outro vértice do triângulo.
Num dia mortiço de Outono, recebemos uma chamada na
redacção. Era o Xico Xico. Perguntou-nos se tínhamos disponibilidade para fazer
a entrevista daí a duas semanas. Respondemos que sim, obviamente, ainda que desconfiados.
Será que iríamos ficar de novo perdidos no tiki-taka geográfico Fundão-Figueira
da Foz-Coimbra? No dia combinado, ligámos-lhe várias vezes ao longo da viagem
para confirmar o encontro e exorcizar as dúvidas que pairavam teimosamente sobre
nós. Quando estacionámos o carro na Figueira da Foz, deslizámos mais uma vez os
nossos dedos pela agenda do telemóvel para termos a certeza de que devíamos
estar ali e não no Fundão ou em Coimbra. A agenda disse-nos que sim, estávamos
onde devíamos estar, no dia e na hora combinados. No entanto, só quando
entrámos no café e sentimos a materialidade do seu aperto de mão é que tivemos
a certeza de que ele era real. Suspirámos então de alívio e por pouco que não
gritámos “Ecce Homo!”.
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Xico Xico, a personificação do futebol-arte |
Temos a perfeita noção de que os nossos leitores mereciam
há muito conhecer a fundo uma das figuras cimeiras da Beira Baixa. Aqueles que
tiveram o prazer de o ver jogar, contam aos filhos os seus feitos com os olhos
húmidos de emoção, como se tivessem acontecido ontem. Não admira que ao dizer o
seu nome nas ruas do Fundão, miúdos e graúdos o identifiquem por antonomásia
como o maior embaixador do futebol-arte. Tão certo como a cereja em Maio e a
castanha em Outubro, a lenda Xico Xico atravessará gerações e continuará sempre
incólume à voragem do tempo.
Dentro de campo, os seus movimentos de bailarino
contrariavam a gravidade, os seus passes teleguiados desafiavam as leis de
Kepler. Nada em si era senso comum, lugar feito, chavão. Quando conseguia
escapar à catadupa de pontapés e biqueiros com que era mimoseada, a bola corria
na sua direcção com uma fidelidade e felicidade caninas. Sabia que enquanto
estivesse aos seus pés seria tratada com o esmero de um ourives e o mesmo carinho
que um pai dá ao filho.
O armador de jogo integrou a equipa sénior dos Nanikos FC
em 1998 e só saiu em 2003 para prosseguir os estudos em Coimbra. Consigo ao
leme, o clube viveu o período áureo da sua história, conquistando quatro
campeonatos da Beira Baixa, três taças da Gardunha e quatro supertaças Cova da
Beira. A nível individual, Xico Xico ganhou quatro vezes o Garrafão de Ouro,
prémio que distingue o melhor jogador em cada época, duas vezes a caneca D.
Policarpo pela sua capacidade invulgar em aliar actividades
alcoólico-recreativas com o futebol profissional e também três vezes o Prémio
Pedra D’Hera, distinção atribuída pela Federação de Futebol da Beira Baixa para
o melhor jogador do campeonato.
Apesar de ter nascido na Covilhã, corria o ano de 1984, o
Fundão é a sua terra mater, uma vez que viveu aí até ir para a universidade. Foi
no seu solo granítico que germinou o génio futebolístico de Xico Xico, primeiro
nos remates contra os portões nas traseiras do prédio onde vivia e depois nos
jogos realizados nos campos da escola. O seu trato único com a bola rapidamente
se destacou entre os miúdos da sua idade, despertando do torpor alcoólico os
taberneiros-olheiros dos Nanikos FC. Aos 6 anos integrou os mini-garrafões,
equipa das camadas jovens do clube. A sua evolução meteórica fez com que aos 14
anos se estreasse nos seniores. Nunca um jogador da sua idade jogara pela
equipa principal.
Aos 78 minutos do jogo Nanikos FC – Sport Comércio e
Enxabarda, Xico Xico foi chamado pelo treinador. Esse dia, 12 de Abril de 1998,
um domingo frio e chuvoso, ficaria para a história do clube. Apesar do seu
aspecto franzino e tímido, os adeptos que lotavam as bancadas do estádio Vítor
Punk II acolheram-no com uma calorosa salva de palmas assim que pisou o relvado.
No pouco tempo que esteve em campo, ainda fez dois ou três dribles que
galvanizaram a plateia. Eram os primeiros acordes de um jogador que iria guindar
o clube aos píncaros do sucesso.
Xico Xico fez toda a sua carreira como número 10. Com os
seus movimentos imprevisíveis e o seu vasto cardápio de fintas, desbaratava as
defesas adversárias. Os avançados só tinham de estar no sítio certo para
marcar. Secundado por uma equipa fortíssima, em que pontificavam jogadores do
calibre de Bojo, Sapec, Ucrânia ou Bukowski, Xico Xico deambulava pelo campo ao
sabor do seu instinto. Era frequente vê-lo receber a bola na lateral, flectir
para o meio, deixando pelo caminho dois ou três adversários, e depois voltar
para trás, fintando os mesmos jogadores, antes de soltar a bola. O seu futebol
nunca se deixou enredar por espartilhos tácticos, personificando em campo os
versos de José Régio: “Não, não vou por aí! Só vou por onde me levam meus
próprios passos!”. Para Xico Xico, o caminho mais rápido entre o ponto A e o
ponto B nunca foi uma linha recta, mas sim uma linha cheia de modulações como
uma ária de Bach, daí os seus rodopios e os seus movimentos errantes, parecendo
bailar ao som de uma música celestial que só ele conseguia ouvir.
Se para Eduardo Galeano o golo é o “orgasmo do futebol”,
para Xico Xico eram as fintas sobre os adversários. Quando o resultado estava
mais apertado, os adeptos exasperavam com as suas deambulações aparentemente
sem sentido e gritavam-lhe: “Vai para a baliza e marca golo! Deixa-te de
bailados!” Xico Xico, romântico, olhava para eles e perguntava-lhes: “Para quê
ter a lua quando se pode ter as estrelas?” As fãs que enchiam as bancadas
suspiravam então de comoção e agarravam-se ao coração que batia ao compasso dos
seus dribles. Na verdade, a magia que espalhava dentro de campo só tinha
comparação com o sémen que disseminava pelos quartos, águas furtadas, telhados,
pinheiros, outeiros e soutos da cidade e das serras em volta. Aos 15 anos, o
jogador já tinha perfeita noção do efeito que a sua beleza de Adónis e o seu
futebol de autor provocavam na comunidade feminina. Mães, filhas e avós lutavam
assanhadamente entre si para se tornarem na próxima WAG. Da mesma forma que
ludibriava os adversários dentro de campo, Xico Xico ia fazendo fintas de corpo
às mulheres que lhe surgiam pelo caminho, deixando-as num êxtase tal que chegavam
ao ponto de acordar de madrugada o padre Barreiros para as casar com o jogador.
Quando foi campeão da Beira Baixa pela primeira vez, a
equipa fez um rally tascas pela cidade. Xico Xico ficava sempre para trás em
cada bar que entrava, porque era retido nas casas de banho pelas suas
seguidoras, que só o largavam quando o sugavam até à última gota de virilidade.
Enquanto o resto dos jogadores transbordava de vinho D. Policarpo e cerveja,
Xico Xico estava completamente drenado. Acabou por cair de exaustão na Tasca da
Estação ao som da música Auto Route de Burgos de Jerónimo e os Cro-Magnon. Só
acordou na manhã seguinte com o cheiro a fritos das pataniscas.
Xico Xico celebra no Meginhas o primeiro título de campeão da Cova da Beira |
18 de Maio de 2003. Nada é eterno. Numa tarde soalheira, Xico Xico fez o último jogo da sua carreira pelos Nanikos FC. O adversário de ocasião foi o Grupo Fluvial e Recreativo de Bogas do Meio. As bancadas do estádio Vítor Punk II vestiram-se a preceito e 75 mil almas entoaram o seu nome durante os 90 minutos. Ao longo do jogo, foram registados mais de 250 desmaios de mulheres que não aguentaram a emoção da despedida do Fred Astaire das Beiras. Nenhum outro jogador soube utilizar tão bem o seu corpo dentro e fora do campo como ele. Nesse dia, à semelhança de todos os outros, o futebol de Xico Xico foi igual a si próprio: genuíno, puro, descomprometido. Os seus bailados, fintas de corpo, danças com bola, deixando tantas vezes a baliza adversária em segundo plano, foram saudados como se fossem golos. Quando soou o último apito, pediu a bola ao árbitro e deu uma volta olímpica debaixo de lágrimas e aplausos. Até que desapareceu no túnel de acesso aos balneários, deixando o futebol-arte órfão do seu maior intérprete.
Há quem diga que na altura da Primavera, quando as seivas
se renovam e a Gardunha volta a desfilar o seu esplendoroso teatro de verdura,
um ser percorre o relvado do estádio Vítor Punk II, gritando o nome de Xico
Xico. Reza a lenda que se trata de um daemon, espírito da mitologia grega, que
nunca mais pôde encarnar em ninguém que conseguisse potenciar a sua
criatividade. Outros crêem que é Calíope, a musa da poesia épica, que canta os
feitos de Xico Xico, fazendo com que a Natureza renasça com mais força na
esperança vã de voltar a vê-lo jogar.
Luís Freitas Lobo escreveu que “o Barcelona de Guardiola é um poema que espeta uma lança romântica no
coração frio do futebol moderno”. Xico Xico foi esse poema de chuteiras dentro
de campo e tentou também sê-lo fora dele. Terminada a carreira, prosseguiu os
estudos superiores em Coimbra. Dedicou-se ao curso de design com a mesma paixão
pura e descomprometida com que acariciava a bola. Só que a vida, essa raposa
matreira, não tem a mesma simplicidade de um relvado de futebol. Passou dias e
noites em branco a fazer trabalhos, cuja qualidade era frequentemente elogiada
pelos professores. Sentiu-se, no entanto, defraudado. O que aprendeu ficou
muito aquém daquilo que idealizara. Esperara encontrar nos livros e na cidade à
beira Mondego os conhecimentos que correspondessem à sua ânsia de
transcendência e superação, ajudando-o simultaneamente a desvendar os segredos
mais profundos da alma humana e a tornar-se num dos maiores designers do mundo.
Pode parecer excessivo e de uma ambição desmedida, e talvez seja, mas para Xico
Xico se é para fazer, é para fazer até ao fim, se é para mergulhar, é para
mergulhar até ao fundo, se é para ter, é para ter tudo, caso contrário nem vale
a pena tentar.
Esta exigência máxima consigo e com o
mundo, levou naturalmente a que os seus colegas de faculdade se afastassem de
si. Ninguém compreendia, ou levava a sério, os seus anseios de transcendência,
a sua busca incessante pelos arquétipos da perfeição, o seu amor
descomprometido e puro à arte pela arte. Tal como os golos, as notas nunca
foram o móbil para o seu empenho. Mas enquanto no futebol a sua forma de estar
gerava admiração, fora dele causava desconfiança. Os seus colegas andavam em
bolandas com a média de final do curso, os apontamentos dos marrões que os
poupasse à estopada de terem de estudar e ler a bibliografia recomendada e o
estágio nos melhores ateliers que lhes permitisse estabelecer contactos, ou
melhor, o network necessário que os amarrasse a um contrato sem prazo, de
preferência num trabalho que não lhes desse muitas chatices. Preocupavam-se, em
suma, com a vidinha funcional, prática, cuja excitação magna é o desconto de
fim-de-semana no supermercado e o chico-espertismo em negociozinhos de vão de
escada em que se abotoam indevidamente com mais uns cobres. Quando lhe falavam
nisto, Xico Xico olhava-os atordoado, como se acabasse de chegar de um outro
planeta. E no futebol como na vida, a sua resposta poderia ser a mesma: “Para
quê ter a lua quando se pode ter as estrelas?”
As amizades que travou nos bares
esconsos de Coimbra e do Fundão foram sobretudo com renegados do sistema. Tal
como ele, eram espíritos inconformados que rejeitavam a vida pronta a consumir.
Cultivavam a arte pela arte como último reduto de uma existência mais pura,
despida de preconceitos e aparências. Entre os livros da academia, Xico Xico
dedicava-se ao malabarismo, ao teatro, à poesia e à pintura. Estas actividades
eram uma extensão natural do futebol que jogara nos relvados, em que podia
transcender-se e ser ele próprio.
Durante algum tempo, a sua alma derramou versos pelas ruas de Coimbra em que lamentava a decadência moral do
Homem e exprimia a sua mundividência. “A vaca que dantes tinha sido
cobra frígida, / Anseia por se tornar agora numa porca.
/ Estamos no tempo das vacas magras, / Ser leitão ainda rende, é comer até ao tutano, nem a
pele escapa - diz a vaca”, lê-se no poema A vaca que ri. Em Ode aos Nanikos,
cantou sobre os tempos áureos em que ele e os seus companheiros extasiavam as
bancadas do estádio Vítor Punk II: “Fermentaram como vinho, /
durante os 9 meses no ventre de suas mães./
De cálices tornaram-se taças, / transbordando uma rara sinfonia. / De olhos vendados encantam o mundo,/ e entre seus dedos escoa magia.”
Na sua ânsia juvenil pela transcendência,
também lançou mão de fumos e álcool. Foi, contudo, uma fase curta, porque Xico
Xico sempre teve bastante cuidado com o corpo. Não fazia um culto obsessivo do
seu físico, mas procurava mantê-lo sempre em forma. Essa cedência ao materialismo
evitava outro tipo de transigências bem piores, porque tinha a perfeita
noção de que só estando saudável é que poderia manter ao largo todas as outras preocupações
com a matéria. Mesmo nas manhãs geladas de Inverno, em que uma
neblina muito fina cobria os cumes nevados das montanhas, era comum vê-lo
correr de calções e t-shirt no sopé da Gardunha e, mais tarde, no Choupal,
enquanto sussurrava a máxima de Juvenal: “Mente sã em corpo são.”
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As mulheres: anjos e demónios na vida de Xico Xico. Predador dentro dos relvados, foi muitas vezes a presa fora deles, sucumbindo aos venenos sensuais das ninfas do Zêzere |
Para melhor se compreender a psique de
Xico Xico, talvez o muito glosado poema de Ricardo Reis, um dos seus poetas de
eleição, possa ajudar:
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Xico Xico sempre pôs tudo quanto é no
mínimo que fez, mantendo-se inteiro. Foi com essa atitude que entrou no mundo
do trabalho. Não admira que tenha acumulado tantas desilusões. Da mesma forma
que o seu futebol nunca se deixou amarrar por espartilhos tácticos, em nenhum
momento permitiu que os seus projectos ficassem agrilhoados a horários, prazos
ou cedências de qualquer tipo. A estreiteza de horizontes, a mesquinhez e o
pragmatismo tacanho de tanta gente com quem trabalhou, levaram-no várias vezes
a entrar em conflito e a bater com a porta, deixando que outros ficassem com os
louros das suas ideias. Era comum recusar-se a assinar projectos aos quais
tinha sacrificado noites inteiras de sono, porque lhes tinham feito pequenas
alterações sem o seu consentimento. Os que o acusavam de vedetismo, nunca
conseguiram compreender que os seus trabalhos eram o espelho da sua alma. Tratava-os
como os filhos da sua existência mais profunda, daí que qualquer modificação
lhe provocava uma dor lancinante, porque significava uma amputação do seu ser.
O círculo vicioso de
projecto-desilusão-desemprego-novo-projecto-nova-desilusão-nova-situação-de-desemprego
desgastou-o. Um certo negrume alastrou à sua alma, tornando-o amargo e
cáustico. Percebera por fim que seria sempre um elemento anómalo a esta
sociedade moderna, ou pós-moderna, que glorifica o dinheiro a todo o custo e
que reduz as pessoas a marionetas consumistas, cujos únicos interesses parecem
ser o ordenado que ganham, quanto é que custa determinado objecto e como é que
podem poupar. A redução da vida a uma mera actividade contabilística é algo que
abomina profundamente Xico Xico. O vil metal será sempre o menor dos seus interesses,
da mesma forma que no futebol eram os golos e na universidade as notas. É por
isso que prefere mil vezes fazer um trabalho de design para um amigo sem
receber por isso, do que aceitar um projecto pago a peso de ouro que seja
contra a sua essência.
Irredutível ao espírito materialista dos
tempos que correm, caiu várias vezes no desemprego. Recusou, contudo, sempre a
ajuda dos pais ou dos amigos para ocupar cargos que lhe dessem alguma estabilidade
profissional. Preferia estar na penúria do que beneficiar de cunhas ou do
dinheiro da família para se sustentar. Tinha de ser ele, e só ele, a lutar pelo
que queria e a conseguir melhorar a sua vida à custa do seu suor e talento. Só
desta maneira é que se sentiria inteiro e puro. Por vezes, esta forma de estar
é confundida com ingratidão. Trata-se de um equívoco. Xico Xico é capaz de dar
a sua camisola a um amigo e de ajudar de forma totalmente desinteressada os que
lhe são mais próximos. O seu altruísmo e humildade impelem-no igualmente a estender
a mão a desconhecidos que precisem de si, independentemente da sua origem ou
posses. Neste ponto, segue de perto, mesmo sem o saber, os ensinamentos
contidos nos versículos do livro sapiencial de Ben Sira: “Não louves um homem
pela sua bela aparência, nem desprezes ninguém pelo seu aspecto. Pequena é a
abelha comparada com as aves, mas o seu produto é o primeiro na doçura.” No entanto,
nunca abdicará dos seus princípios e daquilo em que acredita, porque isso
significaria deixar de ser quem é.
Claro que nem tudo é tão simples quanto
parece. Por muito que quisesse manter o seu palácio dos ideais inviolável à
corrupção do mundo, há fissuras que se abriram. A família ajudou-o amiúde a
manter-se à tona e por vezes aceitou a contragosto trabalhos com os quais não
se revia minimamente para se poder sustentar. Estas concessões foram punhaladas
dolorosas naquilo em que acreditava. Sentia-se corrompido. O desencontro brutal
que se abria entre si e os seus princípios atirava-o então para as profundezas
das crises existenciais onde o sol nunca bate. Tudo lhe parecia negro,
desprovido de sentido e o futuro apresentava-se-lhe como um imenso buraco negro
que sugava qualquer réstia de esperança. Olhava-se ao espelho e apenas via um
Judas vendido por 30 moedas de ouro. Nestes momentos, Xico Xico tornava-se
violento consigo e com os outros, explodindo em ataques de fogo, fúria e
frustração à mínima contrariedade. Pais, amigos e namoradas sentiram na pele o
chicote da sua ira. Ficavam em silêncio e esperavam pacientemente que voltasse
a emergir dos seus longos mergulhos no oceano da depressão. Quando isso
acontecia, passava a fazer uma observância ainda mais estrita dos seus ideais,
qual estudante do Corão numa madraça, para que as chamas mundanas nunca mais
voltassem a chamuscar a sua alma.
A sua maneira de ser dificilmente
encontra eco nas outras pessoas. É por isso que a sua amargura alastrou como
uma mancha de óleo quando viu muitos dos seus amigos nortearem a sua vida por
valores que estão nos antípodas dos seus. O abandono dos sonhos em troca da
certeza de ordenados ganhos em trabalhos embrutecedores é algo que o deixa
profundamente desgostoso. Nunca conseguirá perceber que se tenham acomodado com
tanta facilidade à rotina cinzenta e informe de todos os dias em vez de
procurarem potenciar os seus talentos. Na sua perspectiva, a superação e a
busca incessante pelo inalcançável valem todos os sacrifícios.
Os amigos deveriam estar sempre a salvo da
vidinha e da felicidadezinha materialista que vem por arrasto. Nada há de mais
vil nisso, porque representa a conspurcação da alma no consumismo, o maior dos
pecados mortais. Alguém que fica alegre pelo simples acto de comprar, está já a
arder no quarto círculo do inferno de Dante. É por isso que pode parecer
chocante a maneira agressiva como responde à sua namorada quando esta se alegra
por ter uma cozinha ou um carro novos. Se observarmos, contudo, o mundo com os
olhos de Xico Xico será mais fácil compreender o insulto abjecto que é ver
alguém fazer depender a sua felicidade de algo material. A sua alma busca
incessantemente atingir os graus mais elevados da transcendência e apenas
encontra consolo no néctar efémero que só a arte pode oferecer. É nesses
pequenos momentos que reside a sua felicidade. Infelizmente, quase nunca
consegue encontrar alguém com quem a possa partilhar. Para ele teria um valor incalculavelmente
maior se a sua namorada chegasse a casa comovida por ter ouvido uma música na
rádio ou se fizesse uma pequena dissertação sobre um poema que tivesse lido.
Xico Xico, em baixo ao centro, celebra com alguns jogadores dos Nanikos FC e as suas fãs a vitória decisiva no campeonato frente ao Clube Recreativo e Cultural de Lavacolhos |
No que toca ao leito, Xico Xico continuou a fazer a felicidade de muitas mulheres para cá e para lá de Elvas. Como em todas as outras facetas da sua vida, o orgasmo nunca foi o mais importante. Durante a adolescência e nos primeiros alvores da idade adulta, o sexo era sobretudo uma exploração do seu corpo e do da outra pessoa. Progredia pelos caminhos da luxúria com o espírito aberto e meticuloso de um cientista que, por tentativa e erro, tenta encontrar a resposta definitiva à eterna pergunta freudiana: afinal o que querem as mulheres? Com o avançar da idade, passou a encarar o prazer da carne como o caminho material para se elevar a mundos imateriais onde esperava encontrar algumas das chaves para os enigmas da existência. Como bom discípulo de Ricardo Reis, punha tudo o que era no mínimo que fazia, independentemente do tamanho dos seios, das curvas do rabo ou da cor dos olhos que tivesse por diante. A sua dedicação era tanta que depois de uma noite consigo, muitas mulheres ingressavam na manhã seguinte em conventos para viverem em clausura o resto da sua vida. Sabiam que nunca mais encontrariam outro prazer mundano tão intenso e profundo como o que haviam acabado de experimentar, renegando por isso aos prazeres da carne em favor dos êxtases místicos da alma.
Xico Xico acreditava
que o amor era um lago de águas límpidas, a salvo da contaminação do mundo. Aí
poderia lavar a sua alma em banhos lustrais e ser ele próprio, sem
máscaras, entregando-se totalmente. Como é óbvio, passou a ser uma presa fácil
do canto das sereias do Zêzere que, com os seus sortilégios, o amarraram a
relações funestas. O seu coração transformava-se então numa montanha-russa, ora
vindimando confiante e sobranceiro o mar alto ora naufragando por entre as
ondas doentias da paixão. Dentro de campo, habituou-se a bailar com a bola,
deitando por terra todos os adversários que lhe aparecessem pela frente, mas fora
dele acabou várias vezes por ser conduzido no baile que muitas mulheres lhe
deram, transformando-se numa marioneta dos seus caprichos mais perversos. Os
seus alicerces existenciais abanaram e o seu palácio dos ideais ruiu várias
vezes, abalroado por humilhações e promessas que na manhã seguinte se desfaziam
como a espuma do mar. Nesses momentos, tornava-se amorfo, tomado por uma neurastenia
que o fazia caminhar como um sonâmbulo para os braços sensualmente venenosos
das suas predadoras. Os conselhos que a família e os amigos lhe davam não
tinham força para o demover das blandícias, beijos e fantasias que o enredavam
em quimeras de perdição. Tal como cantou Luís de Camões, queria estar preso por
vontade e ter com quem o matava lealdade. Com o acumular das desilusões,
percebeu enfim que a iniquidade humana irá sempre contaminar o amor, cuja força
selvagem e avassaladora nunca será contida pelos seus diques de pureza e
honestidade.
Tudo existe, tudo isto é Xico Xico. Ou
será que nada do que contámos aconteceu realmente ou aconteceu de forma
diferente? Quem é afinal esta pessoa de 34 anos sentada à nossa frente que
perscruta em silêncio o arfar cadenciado do mar, enquanto mordisca um stick de
plástico para mexer o café? Quanto do nosso passado trazemos atrelados a nós?
Será que os ideais que sempre acalentou ainda ardem dentro de si ou são já uma
ruína corroída pelo cinismo? Será que ainda transporta a magia que enfeitiçou
plateias e extasiou mulheres? Ou será que se transformou num baú de recordações
empoeiradas, cujas histórias são apenas contadas no pretérito?
As suas olheiras denunciam talvez um
homem cansado ou quiçá alguém que no silêncio da noite continua à procura de
respostas que alumiem os labirintos da sua existência; a sua barba preta e cerrada que lhe cobre o rosto, dando-lhe um ar vetusto, talvez seja cofiada
pensativamente nos momentos em que procura a transcendência de outros mundos
mais puros e genuínos. Apesar do vento frio que se faz sentir, tem apenas uma t-shirt
azul vestida. Parece indiferente ao tempo que faz. É talvez a sua forma de
demonstrar que ainda mantém vivo o desprezo a este mundo material que nos
corrompe.
Por muitos tropeções e quedas que tenha
dado ao longo da sua vida, acreditamos, ou queremos acreditar, que ainda
continua à procura desse mundo etéreo em que a vida dos homens, com todas as
suas cores e cambiantes, é regida pela pureza, autenticidade e uma intensa
comunhão com a Natureza. Quem sabe se no fundo dos seus olhos ainda subsiste a
esperança de um dia pisar os relvados diáfanos da igualdade e fraternidade
humanas, onde cada um se transforma naquilo que é através da arte... Mesmo sem
entrar em igrejas, ler a Bíblia ou invocar o nome de Deus, Xico Xico é um ser
profundamente espiritual. A sua bússola interior sempre o afastou dos caminhos
ínvios do materialismo, da futilidade e da gratificação instantânea. À
semelhança do reino de Jesus Cristo, também os seus trilhos nunca foram deste
mundo, daí serem tão difíceis de percorrer e compreender.
Estamos convencidos de que por baixo do
amontoado de desilusões, amarguras e incompreensões, a sua essência ainda se
mantém intacta. Afinal de contas, e tomando de empréstimo as palavras de Sérgio
Godinho, “pode alguém ser quem não é?” Não adianta, contudo, tentar
compreendê-lo, porque Xico Xico será sempre um enigma. O intrincado dédalo da
sua existência nunca será possível de sistematizar. “Meu desejo/É morrer na
paz do teu beijo / Sem futuro / É lutar por um beijo mais puro.” Provavelmente
estes versos dos Ornatos Violeta conseguem explicar melhor do que ninguém os
ideais e o destino de Xico Xico.
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O Homem e a sua demanda: Xico Xico refugiou-se várias vezes na serra para aprofundar a relação com os seus ideais e reencontrar-se no labirinto da sua existência |
Jornal O Naniko: Já está desde 2016 na
Figueira da Foz. Está a gostar de viver aqui?
Xico Xico: (hesita) Tem as suas vantagens… É tudo perto, não há stress, a vida
processa-se a um ritmo mais calmo. Por outro lado, é um meio um pouco limitado,
sinto falta de estímulo, sobretudo a nível profissional, que me faça evoluir,
trocar ideias e assim ter motivação para continuar a aprender.
Jornal O Naniko: O que o fez vir para a
Figueira da Foz?
Xico Xico: Foi sobretudo o facto de
ter saído do atelier de design onde estava a trabalhar em Lisboa. A partir
desse momento deixou de fazer sentido continuar a pagar uma renda que não podia
comportar sem ter trabalho. Além disso, decidi arriscar e ir viver com a
Margarida para a Figueira da Foz. Era algo que há uns anos não estava sequer nos
meus planos.
Jornal O Naniko: Porquê?
Xico Xico: Não queria juntar-me a
outra pessoa. Preferia ter a minha independência e, além disso, acho que tinha
tudo para correr mal. Eu sempre disse à Margarida que não criasse expectativas
em relação ao facto de um dia irmos viver juntos. Por isso considero que já
superei as expectativas que ela tinha em relação a mim.
Jornal O Naniko: Considera que para já a
vida em conjunto tem sido positiva?
Xico Xico: (hesita) Não sei… tem dias. Há coisas que dificilmente vão encaixar.
Não consigo conceber que uma pessoa passe tanto tempo a tomar banho. Ela diz-me
que paga a conta da água, mas essa não é a questão, percebe? A questão é mais
elevada do que essa: é pensarmos que a água é um recurso escasso e que temos de
o poupar, mas por mais que lhe explique isso não percebe. Depois é o apego
excessivo à casa… cai um pingo de água no soalho e não basta limpar com um
pano, tem de ir buscar um secador para garantir que fica mais seco do que as
areias do Sahara. Lembrei-me agora de outra situação: no outro dia deixei-lhe
os ingredientes e a receita para fazer o almoço, porque precisava de sair de
manhã e quando voltei tinha trocado tudo, não fez nada do que lhe pedi. Comecei
a mandar vir e ela saiu porta fora, foi almoçar a casa dos pais e só voltou à
noite. Estas coisas fazem-me confusão e deixam-me…
Margarida: (interrompe) É tudo mau, não é Xico? Não faço nada bem… Tu é que és
o dono da virtude e a consciência do mundo. Às vezes devias também pensar no
outro lado e tentares ver as coisas pela perspectiva das outras pessoas e não
achares que tens sempre razão ou que fazes sempre bem as coisas.
Xico Xico: A questão não é ter
sempre razão, Margarida! A questão é estares sempre tão centrada em ti que não
vês mais nada à tua volta. Tu é que devias ver as coisas pela perspectiva dos
outros e não eu.
Margarida: Desde quando é que eu
não penso nos outros? Tu é que achas que o mundo se deve guiar pelos teus
padrões e pela tua maneira de ser e pensas que…
Xico Xico: (interrompe) Oh Margarida, então quando tomas banhos de…
Jornal O Naniko: (interrompe) Não queríamos de maneira nenhuma provocar uma crise
conjugal com esta entrevista. Vamos talvez avançar. O Xico Xico…
Xico Xico: (interrompe) Já está a fazer beicinho. Está a ver como é?
Margarida: (com a testa franzida) Xico pára lá com isso e avança com a
entrevista ou queres que me vá embora para estares mais à vontade?
Xico Xico: (sorri) És tão bonita, Margarida.
Margarida: (encolhe os ombros e esboça um sorriso contrariado) Ainda bem que os
senhores vieram aqui entrevistá-lo. Assim podem ver como é que ele me trata.
Jornal O Naniko: Bom, se me permitem
vamos então avançar. O que é que o Xico Xico está neste momento a fazer?
Xico Xico: Estou a trabalhar a
partir de casa para uma empresa irlandesa. Faço design e apesar de ser a minha
área de formação, o tipo de trabalho que faço não me interessa muito. O que
faço é na verdade a prostituição do design. Está longe de ser estimulante e
como trabalho de forma remota não tenho contacto com ninguém. Não é um tipo de
trabalho para todos. É preciso muita resiliência e ginástica mental. Há dias em
que a única pessoa com quem falo é com a Margarida e muitas das vezes é mais
para discutir do que para outra coisa como viu há bocado (risos).
Margarida: (encolhe os ombros).
Xico Xico: Como lhe disse, sinto
falta de trocar ideias com outras pessoas, ter alguém que me estimule. Claro
que este tipo de trabalho tem também as suas vantagens, dá-me tempo para fazer
desporto, apesar de agora estar praticamente parado devido a uma tendinite no
pé.
Margarida: (com a testa franzida) É normal, andava a correr todos os dias que
nem um animal.
Xico Xico: Lá estás tua a meter-te…
É impressionante, Margarida! Qual é o problema de ir correr todos os dias?
Preferias que ficasse em casa a comer chocolates como o Sá ou que tivesse a
pança do Ucrânia? Ao menos tens um homem forte e saudável em casa (arregaça a manga esquerda da t-shirt e
retesa o bíceps, numa demonstração de força, enquanto lança um olhar lúbrico à
Margarida).
Margarida: (encolhe os ombros e revira os olhos) Meu Deus, ao que havia de
estar destinada…
Jornal O Naniko: Andava a fazer muito
desporto?
Xico Xico: Sim, ia todos os dias
correr. Estava a fazer 10 km em 38 minutos. Ia também ao ginásio nadar e participei
em alguns triatlos. Há muitos anos que não estava em tão boa forma.
Infelizmente apareceu-me esta tendinite e tive de parar.
Jornal O Naniko: Foi só na Figueira que
começou a levar mais a sério a actividade física?
Xico Xico: Não, sempre fiz algum
desporto. Algumas vezes por semana fazia bicicleta e ia dar uma ou outra
corrida. Mas era sempre muito espaçado. Só aqui na Figueira é que comecei a
fazer desporto de forma mais regular. Em Lisboa ainda fui correr algumas vezes
para a Cidade Universitária com o Ucrânia, mas sinceramente não dava sequer
para aquecer. Cada passo meu correspondia a cinco dele… Também com aquela
barriga pantagruélica já era um milagre manter-se erecto e não cair para a
frente com o peso.
Jornal O Naniko: Costuma fazer desporto
sozinho?
Xico Xico: Sim, vou sempre sozinho.
Infelizmente, não arranjei ninguém que me acompanhasse. No início ainda ia
jogar de vez em quando basket para as traseiras da minha casa com um grupo que
se juntava por lá, mas entretanto nunca mais os vi. Desde que cá estou ainda
não consegui travar novas amizades. Levo uma vida bastante solitária. O
desporto é o meu escape para não dar em louco com um trabalho que não me dá
qualquer prazer e com uma mulher que me mói o juízo quase todos os dias (sorri).
Margarida: (encolhe os ombros, suspira e vira a cara para o lado).
Jornal O Naniko: O seu trabalho é assim
tão mau?
Xico Xico: É sobretudo pouco
estimulante. Não me preenche minimamente.
Jornal O Naniko: Tem visto outras
oportunidades de emprego?
Xico Xico: De vez em quando vejo e
vou enviando uns currículos. Ainda agora participei num processo de
recrutamento bastante longo para ir trabalhar na Universidade de Coimbra.
Infelizmente, não consegui entrar por muito pouco, ou melhor, por causa de
alguns itens de avaliação que não deviam ter um peso tão grande. Enfim… A minha
vida profissional tem sido um pouco isto. Já várias vezes estive à beira de
algo bastante bom, mas por uma razão ou por outra acabo por ficar do lado de
fora da porta com uma mão cheia de nada e a outra cheia de expectativas por
cumprir. Como lhe disse, continuo à procura de trabalho, mas a maioria das
ofertas que hoje em dia há na área do design estão relacionadas com publicidade
ou marketing e isso não me interessa minimamente. O que eu gosto de fazer é
design gráfico, mas é uma área que tem cada vez menos saída. Quem é que hoje
quer pagar a um designer para fazer um layout de um flyer ou quem é que hoje se
preocupa em criar um livro mais arrojado que saia dos cânones standardizados da
indústria livreira? Quase ninguém…
Jornal O Naniko: O que acha que tem
falhado para que não consiga encontrar o trabalho que pretende?
Xico Xico: (pausa) Há várias razões para isso… Se analisar aquilo que tem sido
o meu percurso profissional, vejo que foram poucas as vezes em que consegui
alguma estabilidade. Tive sempre de estar envolvido em vários
projectos ao mesmo tempo para conseguir ter uma boa almofada financeira. E isso
obrigava-me a um desgaste enorme: noites em branco, horas e horas de trabalho,
fins-de-semana consecutivos a trabalhar, poucos ou nenhuns dias de férias,
reuniões, chatices... A única coisa positiva é que com tanto trabalho tinha
pouco tempo para me chatear com a Margarida e mesmo assim às vezes lá vinha uma
discussão para rematar o dia (sorri,
enquanto olha para ela).
Margarida: (mantém a cara virada para o lado).
Xico Xico: E eu pergunto-me: tudo
isto para quê? Para receber pouco, ver muitas das vezes o meu trabalho
adulterado por pessoas que não percebem nada de design e no final acabar por me
ir embora quase sempre com um sentimento de frustração. Portanto, o que tem
falhado é o facto de não me conseguir adaptar a um mercado de trabalho que
trata mal as pessoas, que não as valoriza e que as espreme como laranjas e
depois manda-as para o caixote do lixo. As pessoas estão-se nas tintas para o
design, acham que o que faço é uma brincadeira e que qualquer outro faz igual
ou semelhante. Se eu fosse médico como a Margarida seria muito mais respeitado e no
Natal receberia uns quantos presuntos dos doentes, mas…
Margarida: (com voz zangada) Eu nunca recebi nenhum presunto! Mas não me
importava de receber um pata negra pelo Natal… (levanta gulosamente as sobrancelhas).
Xico Xico: (passa a mão pelo cabelo, enquanto mostra o bíceps) Só pensas em
comida, Margarida… Voltando à conversa: como sou designer, sou o gajo que faz
uns bonecos nas horas vagas e como paga dão-me um chuto no cu ou na melhor das
hipóteses uma palmadinha nas costas. Às vezes há quem me chame artista. Detesto
que me chamem isso, porque dá a ideia que sou um gajo jeitoso que desenrasca
umas coisas para os amigos. Eu levo o meu trabalho muito a sério e
entristece-me que um designer não seja tão valorizado como um médico ou um
engenheiro. E isto não é apenas culpa das pessoas que não sabem o que é o
design, muitas das vezes são os próprios designers que desvalorizam a sua
profissão quando pagam salários de merda e oferecem condições de trabalho que
são verdadeiras odes à escravatura moderna. Ainda há uns anos tive a
oportunidade de poder trabalhar num dos mais conceituados ateliers de design.
Fui ao Porto reunir-me com eles e fiquei com a nítida sensação de que eles não
tinham pensado em qualquer proposta para mim. Para eles, a possibilidade de
poder trabalhar no seu atelier era suficiente, pelo que falar em salários ou em
contratos era desnecessário. Deviam pensar que me ia alimentar da reputação do
atelier: reputação fresca ao pequeno-almoço, reputação guisada ao almoço,
reputação no forno ao jantar… Como é óbvio, mandei-os dar uma volta e eles
ficaram muito surpreendidos, como quem diz: ‘Então estamos a dar-te a
oportunidade de trabalhar neste atelier, um dos mais famosos do país, e ainda
tens o descaramento de querer receber um salário e de ter um contrato? Onde é
que já se viu, isto?’ É ridículo, não é? Às vezes penso que este tipo de
episódios davam uma boa peça trágico-cómica. Infelizmente tenho a sensação de que
se fosse vê-la iria chorar mais vezes do que rir. Com isto tudo, não sei se
respondi à vossa pergunta…
Jornal O Naniko: Respondeu, não se
preocupe. Já alguma vez pensou desistir do design?
Xico Xico: Sim, várias vezes. Uma
das vezes foi em Coimbra. Não conseguia arranjar nada e decidi inscrever-me num
cal center. Felizmente, ao cair do pano surgiu um projecto e escapei por pouco
às grilhetas do call center, esses centros de escravatura moderna, em que iria
ser um número entre tantos outros. Actualmente também penso em sair do design,
mas sinceramente não sei o que gostaria de fazer. Sinto-me um pouco perdido.
Vejo o design como uma namorada em que investi tanto do meu tempo e do meu amor
e em troca apenas recebi desprezo, desilusões e traições. Gostava de lhe virar
as costas, mas não sei bem que passo dar a seguir. Ando a navegar um pouco ao
sabor da maré.
Jornal O Naniko: Por que razão decidiu
estudar design?
Xico Xico: Às vezes nem sei bem…
Tanto assim é que quando acabei a Universidade não queria fazer nada
relacionado com design. Estava literalmente farto [do design]. Queria fazer outras coisas. Os meus pais sempre me
deram uma educação bastante ecléctica. Apesar de serem médicos, são pessoas que
sempre ligaram muito às artes. O meu pai compra de vez em quando quadros,
fundou uma companhia de teatro em Coimbra, ambos lêem muito, têm amigos
bastante interessantes nas áreas das artes, do jornalismo, do direito... E eu
absorvi todas essas influências, o que me deixou dividido entre vários mundos.
Quando terminei o 9º ano decidi ir para ciências naturais, mas terminado o ano
lectivo, voltei atrás e inscrevi-me em artes. Creio que esse lado mais
criativo, reflexivo e exploratório se sobrepôs ao lado mais exacto e factual
das ciências. Quando acabei o secundário, tinha de tomar uma decisão. Entre o
leque de opções que tinha à minha disposição, o design pareceu-me aquela que
fazia mais sentido. O design dá a possibilidade de comunicar sem palavras com
as pessoas, apenas através de objectos ou de símbolos, o que me parece
fascinante. É uma área que permite alterar a percepção que as pessoas têm do
seu quotidiano e dos objectos com que se relacionam todos os dias. Um isqueiro,
por exemplo, através do design podemos alterar a relação que a pessoa tem com
ele, ainda que a função continue a ser a mesma: dar lume. O design dá-nos a possibilidade
de transformar e transcender o mundo em redor e desafiar a inteligência das
pessoas através de formas e conceitos que as façam parar e reflectir. Talvez o
design seja isso mesmo: um desafio à inteligência e uma forma de tornarmos o
nosso mundo num lugar mais agradável através de objectos que muitas das vezes
têm para nós uma função meramente utilitária. Um livro, por exemplo. Pegamos
nele, lemos e voltamos a pô-lo na estante. No entanto, se houver algo de
diferente na organização da informação ou na sua forma, somos obrigados a parar
e a pensar ainda que por breves momentos no conceito de livro e que esse
objecto afinal não tem de ter sempre a mesma forma que nos habituámos a ver nas
livrarias. É esse tipo de desafio à inteligência e essa possibilidade de
transcendência na realidade de todos os dias que o design pode despertar nas pessoas.
Margarida: (num tom sarcástico) Quando é que me transformas no teu objecto de
design?
Xico Xico: (suspira) A sério, Margarida… Ao contrário do design, tu és um
desafio à minha paciência.
Margarida: (encolhe os ombros e olha para o mar).
Xico Xico: Onde é que ia? É isso
que eu disse… No nosso país é deprimente olharmos em redor e percebermos que
nada convoca a nossa inteligência e nada convida à transcendência. Anda-se
pelas ruas das cidades e vêem-se prédios horrorosos, cada um de sua forma e
feitio, os arruamentos mal feitos, os passeios irregulares, o emaranhado de
fios e cabos à entrada dos prédios, as caixas dos ares condicionados à vista,
as estradas atafulhadas de trânsito e nada disto nos faz reflectir ou deixa
espaço para a reflexão. Uma pessoa vai a Copenhaga e mesmo sem ter consciência
disso já está a absorver a calma da cidade, a qual é transmitida por uma
organização do espaço bem delineada e por um convívio harmonioso e inteligente
entre os objectos que faz com que a pessoa se sinta bem. Entra-se no café e a
organização do espaço, o aconchego, os materiais escolhidos, a ausência de uma
arca de gelados no meio do caminho… tudo isso nos convida à reflexão, que mais
não seja por fazermos inevitavelmente a comparação com Portugal. Mas nem é
preciso ir tão longe. Quando viajava com os meus pais, ficava sempre espantado
quando entrava em Espanha e via a organização harmoniosa das cidades ao
contrário do que sucedia e sucede em Portugal e questionava-me: como é que dois
países colados um ao outro são tão diferentes? Questionava-me sempre porque é
que a urbanização do nosso país cresceu de forma tão desorganizada ao contrário
do que aconteceu em Espanha. Com o design queria combater um pouco isso: criar
objectos e soluções criativas. O design dá-nos a possibilidade de viajar sem
sairmos do nosso lugar através do objecto, do folheto ou do logótipo que temos
à nossa frente. Desafia o nosso olhar e a concepção que temos da realidade de
todos os dias.
Jornal O Naniko: Pela forma como fala do
design, ainda se sente alguma paixão da sua parte…
Xico Xico: Não… Já perdi muito do
entusiasmo que tinha. É como lhe disse… o design não interessa à maioria das
pessoas. Por exemplo esta garrafa de água [pega
na garrafa de água] tem este rótulo que eu não gosto propriamente. Mas se
tivesse um rótulo bem feito será que a água teria um sabor diferente? Não
teria. Saberia sempre a água. O design é isto para a maioria das pessoas. É um
rótulo numa garrafa de água que ninguém repara. Pode lá estar, mas ninguém liga
nenhuma. O importante é que o objecto cumpra a sua função, neste caso matar a
sede. O design é o laço em cima da prenda, a flor na lapela. Se estiver lá,
tudo bem, se não estiver, tudo bem na mesma.
Jornal O Naniko: Apesar de todas as
desilusões que referiu, de certeza que já teve momentos gratificantes.
Xico Xico: Sim, claro. Já fiz
trabalhos de grande responsabilidade. Quando estive em Madrid trabalhei para um
estúdio em que o dono queria que eu levasse a empresa às costas. Ou seja,
queria que eu fosse o Pedro Barbosa do design.
Margarida: (interrompe) Não preferias antes ser o Messi ou o Ronaldo?
Xico Xico: (ar de enfado) Não, Margarida… Preferia ser o Pedro Barbosa. Alguma
vez o viste jogar? Foi o jogador com mais técnica que alguma vez existiu. Era
um verdadeiro prodígio, só que não tinha nada na cabeça. Se ele quisesse teria
sido o melhor jogador do mundo. Ao lado dele, o Messi e o Ronaldo seriam
jogadores banais. Quando jogava à bola, inspirava-me sempre nele. A minha forma
de jogar era um misto de Pedro Barbosa e Liedson. Como dizia o Marquito, em tom
de gozo, eu era o Barbeson. Mas continuando… Em Madrid as coisas não correram
assim tão bem e acabei por regressar a Portugal. Desenvolvi muitos outros
projectos que me deram prazer e recebi prémios internacionais em Hong Kong ou
Itália, mas com esta idade estava à espera de estar já num patamar muito mais
elevado em termos de reconhecimento. Queria estar já noutra fase da minha vida
profissional. Quando penso que com a minha idade o Michael Jordan já era uma
lenda da NBA, enquanto eu continuo a ser um designer praticamente desconhecido…
Jornal O Naniko: A maioria das carreiras
é muito mais longa do que as dos desportistas. Se calhar ainda está a caminho
de atingir o seu auge no design. Por falar no Michael Jordan, uma das suas
muitas frases famosas é, se não me falha a memória, a seguinte: “Falhei mais de
9 mil cestos na minha carreira. Perdi quase 300 jogos. 26 vezes deram-me a
responsabilidade de fazer o cesto da vitória e falhei. Falhei consecutivamente
na minha vida. E é por isso que fui bem-sucedido.” Se calhar o Xico Xico tem de falhar ainda mais vezes para chegar onde quer.
Xico Xico: (com ar céptico) Não creio… As desilusões que tenho tido nos
últimos anos apenas me têm tornado mais cínico e amargo em relação ao mundo do
trabalho. Além disso, isto não é uma ciência exacta. Nada me garante que por
mais que tente e falhe, acabe por finalmente fazer o que gosto e ter o devido
reconhecimento pelo meu trabalho. Esse tipo de conversa cheira-me sempre ao
paleio dos profetas do empreendedorismo.
Jornal O Naniko: Como assim?
Xico Xico: Essa ideia de que agora
todos temos de ser empreendedores, criar empresas, sermos muito inovadores e
que se fizermos muito por isso as coisas acabam por acontecer… Claro que se não
nos esforçarmos não saímos do mesmo sítio, mas há nesse discurso do
empreendedorismo ao mesmo tempo uma arrogância e uma ingenuidade que me fazem
confusão. Arrogância porque parece que toda a gente agora tem de ser
empreendedora e fundar uma start-up. Para isso é preciso ter conhecimentos,
dinheiro para investir e aptidão para os negócios e nem toda a gente tem isso e
não é por essa razão que são menos válidas em termos profissionais. A
ingenuidade vem do facto de acreditarem que neste mundo se uma pessoa se
esforçar muito acabará sempre por ter sucesso e ficar rica e famosa. Esses
gajos lêem biografias do Steve Jobs e de outros tipos semelhantes e encaram
aquilo como a nova palavra revelada e então pensam que qualquer um pode chegar
onde eles chegaram, bastando que se esforcem muito e que trabalhem que nem uns
loucos. Qualquer pessoa sensata sabe que a realidade não é uma história da
Disney e que a maioria das pessoas por muito que façam por isso não vão chegar
ao topo da empresa onde estão ou ser mundialmente famosas. Além disso, essa
ideia de que toda a gente é especial e tem uma espécie de missão a cumprir na
santa igreja do empreendedorismo é meio caminho andado para atirar os crentes
para frustrações e depressões, porque mais cedo ou mais tarde vão perceber que
não são assim tão especiais, o que não é problema nenhum, mas como lhes fizeram
crer que sim, quando a realidade lhes cai no colo, ficam esmagados.
Jornal O Naniko: Portanto, o Xico Xico
nunca irá ser empreendedor.
Xico Xico: Sim nunca irei entrar na
igreja do empreendedorismo. Aliás, detesto essa palavra.
Jornal O Naniko: Se pudesse ser o que
quisesse o que é que seria?
Xico Xico: O meu sonho de criança
era ser piloto de Fórmula 1. Em vez de ter estar aqui a dar uma entrevista
sobre design e outros temas desinteressantes, devia era estar a ser
entrevistado sobre a minha vitória no Grande Prémio de Abu Dhabi ou do Mónaco
Jornal O Naniko: O que é que o impediu de
lutar por esse sonho?
Xico Xico: No Fundão não há
propriamente uma grande tradição de desporto automobilístico. A coisa mais
parecida com isso é o grande prémio das minis cuja taça é uma garrafa de soro
dada por uma enfermeira no hospital e uma dor de cabeça do tamanho da Gardunha
no dia seguinte. O Sapec já venceu algumas dessas corridas. É um piloto
experimentado. Quando eu era puto disse ao meu pai que queria ter uma moto, uma
DT 50 Yamaha, e ele disse-me que quando fizesse 16 anos que me dava uma. Claro
que quando fiz 16 anos ele deu-me um carrinho de linhas e então abandonei esse
sonho. Mas ainda hoje sigo as provas de Fórmula 1. É pena já não terem o mesmo
encanto de antigamente. [Fala com
entusiasmo] Antes os carros eram muito mais difíceis de conduzir, tudo
aquilo exigia muito mais força, era muito mais mecânico… Ainda me lembro quando
o Ayrton Senna ganhou ao Proust, numa altura em que ainda era pouco conhecido.
Ele fez uma prova perfeita, sem qualquer erro. Quando lhe perguntaram como é
que tinha conseguido fazer aquela prova, ele respondeu que se viu sempre fora
do carro a olhar de cima para a pista. O Proust que era extremamente racional,
um verdadeiro computador, disse que aquelas eram declarações de um palhaço. Era
uma rivalidade incrível. Hoje em dia é tudo computadorizado. Os pilotos têm
sobretudo de se manter concentrados para não fazerem nenhum erro. A intervenção
humana é cada vez menor, perdeu-se aquela relação tensa entre o homem e a
máquina que havia antes. Hoje em dia há demasiada tecnologia na Fórmula 1, o
que tirou parte da magia à competição. No entanto continuo a seguir as provas e
irritam-me as pessoas que dizem que é um desporto aborrecido. A Fórmula 1 é uma
metáfora do nosso cosmos. Os carros que circulam a alta velocidade nas pistas de
asfalto mais não são do que a metáfora dos planetas que giram em torno de uma
pista chamada Universo. Quando olho para o nosso sistema solar, vejo sempre ali
uma prova de Fórmula 1 em que a Terra tenta ano após ano ultrapassar Vénus e depois Mercúrio e
aproximar-se da meta suprema que é o Sol. A Fórmula 1 abre-nos a porta para nos
transcendermos da nossa condição de humanos e percebermos melhor o
funcionamento do cosmos.
Margarida: (com um tom irónico) De
certeza que só estás a beber água?
Xico Xico: (irritado) Não sejas tão quadrada, Margarida! A vida não é só
medicina e tratar de doentes. Às vezes temos de nos elevar das tarefas do
dia-a-dia para não sermos meras formiguinhas nesta vida.
Margarida: (encolhe os ombros e bebe mais um golo de cerveja).
Xico Xico: Não bebas tanta cerveja,
Margarida. Qualquer dia estás com uma barriga do tamanho da do Ucrânia.
Margarida: Para que é que estás
preocupado comigo em vez de te ocupares com as grandes questões do Universo?
Além disso, nem que estivesse grávida de 9 meses teria a barriga do Ucrânia (risos).
Xico Xico: (risos) Agora para variar estiveste bem, Margarida. É pena isso não
te acontecer mais vezes.
Margarida: (franze a testa e vira a cara para o lado).
Jornal O Naniko: Continuando… Não
insistiu com o seu pai para lhe dar a moto?
Xico Xico: Não, sabia que ele não
ma iria dar, com medo que eu me estampasse. Nessa altura, também, já era tarde
para começar a meter-me no desporto motorizado e também já me
estava a iniciar em provas nocturnas, madrugada dentro.
Jornal O Naniko: Não ficou ressentido com
o seu pai?
Xico Xico: Na altura fiquei, mas
depois segui em frente. Também já estava à espera que não me desse a moto. Ele
já tinha preocupações suficientes em tirar os putos para fora da barriga da mãe
e provavelmente não quis acrescentar mais uma preocupação e ter o filho a andar
de mota e correr o risco de ter um acidente. Como ele costuma dizer ‘os travões
da mota são a tua cabeça’. Claro que lhe saiu o tiro pela culatra, porque lhe
dei outras dores de cabeça, se calhar bem piores do que se me tivesse dado a
moto.
Jornal O Naniko: Tinham uma relação
conflituosa?
Xico Xico: Sim, desde a concepção,
porque ele diz que eu nasci de uma foda mal dada e…
Margarida: (ri-se) Ai oh pá… Muito bom! Olha Xico eu não quero chegar muito
tarde ao Fundão. Ainda temos de ir almoçar com os meus pais e depois eu quero
ir à Faiamóvel ver móveis para casa.
Xico Xico: É impressionante,
Margarida. Só pensas em comprar.
Margarida: (franze a testa) Então não foi o que combinámos? Que íamos almoçar
a casa dos meus pais e depois íamos ver móveis para a casa? Já é quase uma da
tarde.
Xico Xico: Está bem Margarida, mas
não podes esperar um bocado? Não podes pensar só em ti. A entrevista ainda não
acabou e…
Margarida: (irritada) Eu não estou a pensar em mim, Xico! Dissemos aos meus
pais que íamos lá almoçar e já é quase uma da tarde!
Xico Xico: (passa a mão pela nuca, enquanto mostra o bíceps) Impressionante,
Margarida… Nem me deixas acabar a entrevista…
Jornal O Naniko: Não há problema.
Continuamos depois no Fundão. Pode ser no dia 23 de Dezembro?
Xico Xico: Não sei, têm de
perguntar isso à Margarida. Pelos vistos ela é que é a minha manager.
Margarida: (levanta-se, irritada) Não sejas infantil, Xico! Olha eu vou
andando para o carro. Se quiseres vens, se não vou-me embora sozinha. (sai do café sem se despedir).
Xico Xico: Estão a ver como é? Não
se lhe pode dizer nada que faz logo beicinho. Enfim… Fica então combinado para
dia 23. Pode ser depois de almoço, aí às três?
Jornal O Naniko: Está combinado.
Obrigado.
Xico Xico: Bem-haja. Boa tarde.
Jornal O Naniko: Obrigado nós.
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